A facção não marca presença só nas pichações em quiosques e postes de iluminação pública de Piatã, mas também em assaltos e arrastões, principalmente nos finais de semana e feriados, quando a praia está lotada
Dos bairros populares para a orla de Salvador. Em expansão, a facção Bonde do Maluco (BDM) já demarcou seu território em uma das praias mais frequentadas por baianos e turistas na capital. A facção não marca presença só nas pichações em quiosques e postes de iluminação pública de Piatã. Assaltos e arrastões, principalmente nos finais de semana e feriados, quando a praia está lotada, são atribuídos por moradores e frequentadores a bandidos ligados ao BDM.
As denúncias de moradores, banhistas e barraqueiros estão concentradas no trecho nas imediações do Condomínio Casablanca. Um dos principais problemas relatados, os arrastões, ocorrem nos finais de tarde. “É quando todos eles se reúnem, na volta da praia, para fazer a limpa. É um absurdo de coisas que a gente vê daqui, da janela. Chega a dar dó das pessoas que são roubadas”, diz uma dona de casa, moradora do condomínio, sem se identificar. “Eu não frequento a orla daqui, malmente caminho sem levar nada de valor. Não deixo minhas filhas irem também”, afirma.
A dona de casa conta que, em um único dia, presenciou a cena duas vezes. “É algo triste de se ver. Eles chegam em turmas separadas, pequenos grupos de cinco, seis, e se aglomeram próximo aos pontos lotados. De repente, avançam e começam a saquear as pessoas e, em segundos, correm cruzando, disputando as pistas com os carros, gritando que pertencem a essa tal de BDM. Aí, dão um tempo, pra ver se a polícia passa, e voltam a agir. É deplorável mesmo”, conta.
Um barraqueiro que trabalha há mais de 20 anos em Piatã não esconde a indignação. “A situação aqui nunca foi boa, mas de uns seis meses para cá, tem piorado. Antes, sabíamos quem eram os ladrões, sempre sacizeiros da região e que a gente resolvia na conversa. Agora, uma galera estranha tá roubando direto. Estão até armados, coisa que não se via por aqui. Quem é doido de dizer alguma coisa?”, diz.
Ele apontou outro problema: a restinga paralela à orla. “O local tem uma vegetação muito densa onde a bandidagem se esconde. Outro dia, uma mulher, que caminhava às 4h, na ciclovia, foi atacada por um homem e arrastada para a restinga. Ela foi salva pelos barraqueiros que chegavam para trabalhar. O cara foi surrado, mas conseguiu fugir”, conta.
Ele afirma ainda que a vegetação funciona como uma boca de fumo nos finais de semana. “Eles transformam o local num ponto de venda de drogas. É um entra e sai danado. Quando a polícia chega, vaza todo mundo”, denuncia.
Pichações
Segundo o rapaz, a “galera estranha” é formada por jovens, homens e mulheres, que dizem pertencer à facção BDM. As iniciais estão pichadas nas paredes dos quiosques e nos postes. “Chegam aos montes. De carro, de ônibus, a pé e se aglomeram nas praias. Alguns ficam quietos, mas outros, os mais novinhos, num determinado momento, saem para roubar”, diz.
Quando o grupo não furta os pertences dos que vão tomar banho, roubam de forma violenta. “Puxam correntes, pegam carteiras, bolsas, o que as mãos deles puderem arrancar dos banhistas”, diz. “Essas pichações são de agora. Tem menos de dois meses. Isso acaba causando pânico a todos, principalmente aos fregueses”, diz o barraqueiro, apontando para as inscrições na parede de dois quiosques e um poste de iluminação.
Medo
O CORREIO esteve em Piatã na terça (17) e na quarta-feira (18). No último dia, encontrou um casal, morador do Imbuí, deixando a praia, por volta das 11h. Quando questionado se o banho de mar tinha valido a pena, o engenheiro de minas, que não quis se identificar, foi taxativo: “O mar, sim, estava agradável, mas o ambiente, nem tanto”.
A mulher dele, uma nutricionista, explicou: “Tinha um grupo de cinco rapazes que não parava de olhar para a gente. Ficamos em alerta. Foi quando o dono da barraca disse que guardaria nossas coisas porque eles (os rapazes) aguardavam a gente levantar para levar. Então, decidimos ir embora”, contou.
Próximo ao local onde estava o casal, um grupo de amigos – três mulheres e dois homens – estava apreensivo. “Aqueles rapazes realmente não paravam de olhar para o casal, que estava com bolsa, relógios e celulares à mostra. Já tive uma corrente tirada à força por um garoto. Então, a gente fica tenso. Só venho numa turma de amigos, porque quase não se vê policiamento por aqui”, disse uma das mulheres, moradora de Placaford, ali perto.
Policiamento
Enquanto a reportagem do CORREIO conversava com alguns banhistas, três policiais da Cavalaria da Polícia Militar faziam ronda na região. “Isso é bom, mas pena que não é constante”, avaliou uma senhora enquanto arrumava as coisas para ir embora. Procurados, policiais não quiseram falar. No entanto, a poucos metros deles, quatro prepostos da 15ª Companhia Independente (CIPM/Itapuã) caminhavam na ciclovia. Eles confirmaram os arrastões.
“Temos conhecimentos dos arrastões. Mas a polícia está sempre aqui, principalmente nos finais de semana e feriados, dias críticos. O que acontece é que não podemos ser onipresentes porque temos que atender outras demandas. É quando eles aproveitam para agir”, disse um soldado.
Ele nega, porém, que os arrastões estejam ligados à facção BDM. “A Praia de Piatã é frequentada por moradores de vários bairros, como Valéria, que é Katiara, Liberdade, que é Comando da Paz. Acredito que as pichações sejam uma tentativa frustrada de intimidar o grupo rival”, aponta.
‘moleques’
Se os roubos coletivos são chamados de arrastões por moradores, banhistas, barraqueiros e até policiais militares, para o delegado Antônio Carlos Magalhães Santos, titular da 12ª Delegacia (Itapuã), a denominação é diferente. “São grupos de pessoas que, em uma praia, sem dinheiro, têm que praticar furtos para voltar para casa”, declarou.
“Pra mim, arrastão é aquele movimento de 20 pessoas. Isso não há aqui atualmente”, diz o delegado. Ao contrário da denúncia, ele não acredita que a facção Bonde do Maluco esteja instalada na praia. “Não há tráfico ali. O traficante sempre marca o local instalando uma boca de fumo, o que não existe. Essas pichações são coisas de moleque”, finaliza.