Entrou em fase crucial na Câmara dos Deputados proposta que facilita a aquisição de armas no Brasil. Entre outros pontos, o Projeto de Lei 3.722/12 prevê redução da idade mínima para comprador de armamento (de 25 para 21 anos), devolve às polícias estaduais permissão para conceder registro e porte de arma (em parceria com a Polícia Federal, hoje a única autorizada), permite que o registro dure para sempre e amplia a validade do porte (de três anos para 10 anos). As mudanças devem ser votadas na quinta-feira.
Para quem acha ousado, a proposta original era mais incisiva: revogava o atual Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826), que é bastante restritivo. O que será apreciado em uma comissão especial é um substitutivo atenuado. A proposta mantém, por exemplo, limite para número de armas por cidadão — algo que era liberado no projeto original. Requisitos psicológicos e de habilidade para o comprador de arma também seguem os mesmos da lei atual.
Os defensores do direito de se armar dizem que, se os brasileiros pudessem se defender, menos pessoas teriam sido mortas em uma década. Argumentam ainda que bandidos garantem arsenais mediante contrabando — a culpa não seria da venda em lojas, mas da fiscalização falha nas fronteiras.
Autor do substitutivo, deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG) garante que não faz apologia do armamentismo, apenas pretende devolver o direito de defesa ao cidadão, “já que o Estado é incompetente para garantir a segurança”.
Os favoráveis a ampliar o direito de uso de armas ressaltam que a taxa brasileira era de 22 mortes por arma de fogo para cada 100 mil habitantes em 2003, caiu para 18 em 2007 (seria reflexo do estatuto), cresceu para 20 em 2010 e, em 2012, voltou a subir para 22 assassinatos por 100 mil habitantes. Ou seja, com exceção de breve período (2004-2007), o desarme não teria servido para diminuir o número de homicídios.
Já os contrários à venda de armas dizem que a mortandade registrada nos últimos 10 anos seria muito maior se não houvesse o estatuto. A legislação restritiva, segundo eles, poupou 160 mil vidas. Como foi feito esse cálculo? É que, até 2003, os homicídios com armas de fogo aumentavam 7,8% ao ano. Seguindo essa progressão, deveriam ter morrido em 2012 mais de 71 mil pessoas, vítimas de disparos. Morreram cerca de 40 mil — teriam sido poupadas 31 mil vidas naquele ano, informa o Mapa da Violência 2015 do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, favorável à manutenção do estatuto. A soma do saldo a cada ano após a aprovação do estatuto chega a 160 mil.
O sociólogo Marcos Rolim, estudioso da criminalidade, critica as mudanças previstas.
— É importante lembrar que não há no mundo uma fábrica de armas para bandidos. Todas as armas que estão e que estarão nas mãos deles foram, um dia, vendidas legalmente. Reduzir a circulação de armas é uma das medidas mais efetivas para a diminuição das taxas de homicídio — pondera.
No Rio Grande do Sul, que tem o maior número de adeptos da compra de armas no país (conforme referendo de 2005), os números de homicídios estão relativamente estáveis. Em 2003, no período anterior ao estatuto, a taxa de mortos a tiros era de 16,4 a cada 100 mil pessoas. Em 2010, foi de 13,3. Em 2012, voltou a crescer, para 18,5.
Caso seja aprovada na comissão especial, a proposta de abrandar o estatuto irá ao plenário, em votação única. Depois, deve ser apreciada no Senado – que também analisa projetos similares.
Prós e contras
A favor de ampliar o acesso de armas
Lucas Silveira, instrutor de tiro paranaense e integrante do Movimento Viva Brasil, que defende mais liberdade para aquisição de armas, diz que as dificuldades para compra não reduzem mortes.
O Movimento Viva Brasil também salienta que, de 19 países com maior número de armas de fogo per capita, nenhum tem taxas de homicídio superior à do Brasil – que não está entre esses 20 mais armados.
“As taxas de homicídios, que caíram um pouco no início do Estatuto do Desarmamento, mostram tendência de alta partir de 2008. Desarmar o cidadão de bem só favorece o bandido.”
Lucas Silveira
Instrutor de tiro paranaense e integrante do Movimento Viva Brasil
Contra ampliar o acesso de armas
O sociólogo Rodrigo de Azevedo, professor de Ciências Criminais da PUCRS, baseado em pesquisa recente, sustenta que a apreensão de armas reduz o número de mortes.
As entidades que defendem restrição a arsenais dizem que a queda nos homicídios no Brasil – ainda que apenas logo após a aprovação do estatuto – só ocorreu pelo confisco de armamento pelas polícias ou entrega por parte de proprietários – mais de 130 mil armas em 12 anos.
“Estados onde a polícia é muito ativa no recolhimento de armas diminuíram os homicídios. É o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. E arma em casa aumenta violência passional, doméstica.”
Rodrigo de Azevedo
Professor de Ciências Criminais da PUCRS