Repercussão dos extremos climáticos no Brasil na última década: enchentes e secas recordes

Por Redação
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Enchentes e Recordes Climáticos: Um Problema Crescente no Brasil

As recentes enchentes em Porto Alegre, desencadeadas pelo transbordamento do rio Guaíba, refletem apenas uma parte de uma questão mais abrangente. Um estudo realizado pelo Serviço Geológico Brasileiro (SGB), a pedido da Folha de S. Paulo, revela um aumento substancial no número de recordes de enchentes e secas na última década em comparação com períodos anteriores.

Entre 2014 e 2023, foram contabilizados 314 recordes de cheias, em contraste com os 182 registrados na década anterior. No mesmo período, as secas também apresentaram um aumento significativo, com 406 recordes entre 2014 e 2023, em comparação com apenas 92 nos dez anos anteriores.

A estabilidade das estações de monitoramento ao longo dos últimos 50 anos permite uma análise precisa, conforme apontado por Artur Matos, coordenador dos Sistemas de Alerta Hidrológico do SGB. Dados históricos, que remontam a mais de um século, como os registros de cheias em Manaus desde 1900, corroboram a autenticidade dessas observações.

Matos sugere que esses aumentos são evidências das mudanças climáticas, que estão alterando os padrões de precipitação no país, resultando em chuvas mais intensas e estiagens mais prolongadas.

Além do acréscimo no número de picos de enchentes e secas, a última década foi marcada por quebras consecutivas desses recordes. Rios como o Taquari e o Caí, no Rio Grande do Sul, atingiram seus três maiores picos de cheia nos últimos dois anos. Em Uruguaiana, o rio Uruguai registrou uma de suas seis maiores cheias neste ano, com eventos semelhantes ocorridos em 2022 e 2017. A seca recorde de 2021 no estado também é um reflexo dessa tendência.

Em diferentes regiões do Brasil, a situação se mostra semelhante. O rio Amazonas, por exemplo, teve sua maior cheia em 2021, com seis das dez maiores cheias ocorrendo na última década. No Acre, o rio Branco registrou suas duas maiores cheias em 2023 e 2024, enquanto o rio Madeira, em Porto Velho (RO), enfrentou sua pior seca em 2023, juntamente com seis dos maiores registros de baixa vazão na última década.

Esses dados confirmam a percepção de um aumento na frequência de fenômenos climáticos extremos, conforme ressalta Matos. Chou Sin Chan, especialista em modelagem climática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), afirma que os atuais fenômenos climáticos desafiam os métodos de previsão convencionais, demandando o desenvolvimento de novas abordagens para prognósticos mais precisos.

O modelo do Inpe, embora leve em conta projeções globais de gases de efeito estufa, tem se mostrado insuficiente diante da realidade, que se revela mais severa do que as previsões iniciais do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) nos anos 2000. Mesmo com previsões de fortes chuvas para o Rio Grande do Sul, a intensidade e a persistência das precipitações foram subestimadas.

Uma massa de gases de efeito estufa impediu a movimentação da frente fria para o Sudeste, prolongando o período chuvoso na região. Esse cenário resultou em temperaturas elevadas e escassez de chuvas em locais como Rio de Janeiro e São Paulo, que tradicionalmente recebem frentes frias em abril e maio.

Esse fenômeno desencadeou enchentes recentes em Santa Catarina, no Uruguai e no norte da Argentina, além de provocar secas e recordes de calor no Sudeste, Centro-Oeste e até na Amazônia.

Prever chuvas intensas em áreas específicas tem sido um desafio constante. Eventos como as chuvas torrenciais na serra do Rio de Janeiro, que afetaram municípios como Teresópolis e Petrópolis em diversas ocasiões, exemplificam essa dificuldade, visto que o impacto não se estende à capital fluminense, localizada a menos de 100 quilômetros de distância.

Marcus Suassuna, pesquisador do SGB, salienta a mudança no padrão das chuvas, que frequentemente resultam em recordes de precipitação diante de longas estiagens. A água é despejada de maneira intensa em áreas específicas ou em períodos curtos, ao invés de se distribuir uniformemente ao longo de uma estação. Esse cenário é mais problemático em regiões urbanizadas ou com pouca cobertura vegetal, onde o solo urbanizado acelera o escoamento para os rios, sobrecarregando-os.

A necessidade de agilizar a disseminação de informações e aumentar o número de pontos de monitoramento nas bacias hidrográficas, principalmente em rios secundários com potencial de impactar bacias maiores ou áreas densamente povoadas, se faz imprescindível. Especialistas já haviam alertado para a urgência de aprimorar o sistema de alerta visando prevenir tragédias.

O SGB, vinculado ao Ministério das Minas e Energia, vem monitorando o volume dos rios desde o início do século passado. Inicialmente focado no setor de mineração, o monitoramento agora abarca a prevenção de eventos climáticos extremos. Atualmente, 75% do trabalho de monitoramento de bacias hidrográficas no Brasil é realizado pelo SGB, com contribuições do Instituto Nacional de Meteorologia, Agência Nacional das Águas e Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, criado em 2011 com o intuito de prevenir eventos extremos.

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