Um novo grupo de pesquisa está sendo formado no Institut Pasteur de São Paulo (IPSP) para investigar os grupos virais presentes nos morcegos que habitam diferentes porções de Mata Atlântica no Estado de São Paulo, em ambientes urbanos e rurais.
A ideia é realizar vigilância ativa nesses mamíferos voadores, para conhecer a diversidade dos vírus existentes e sua evolução, além de identificar e monitorar patógenos capazes de infectar humanos.
Com duração prevista de quatro anos, o projeto conta com financiamento da FAPESP e do Institut Pasteur de Paris, graças a um acordo feito com a Universidade de São Paulo (USP).
“É um estudo investigativo, de vigilância, que também possibilitará um maior entendimento da ecoepidemiologia de um determinado grupo viral, de como ele evolui, qual a sua diversidade no bioma brasileiro e qual seria o potencial zoonótico e de emergência desse agente”, disse à Assessoria de Imprensa do IPSP o biólogo Luiz Gustavo Góes, coordenador do grupo.
De acordo com o pesquisador, diversos estudos indicam que o Brasil está entre as regiões do globo com o maior potencial de surgimento de uma doença emergente. “Não apenas pela nossa densidade populacional, mas pela diversidade de animais e pelas pressões antropogênicas, como desmatamento e queimadas. Tudo isso tem influência no surgimento de doenças emergentes”, explicou Góes.
O grupo planeja coletar morcegos em diferentes áreas florestais do município de São Paulo, além de áreas mais afastadas das cidades, próximas a fazendas e áreas de cultivo de cana-de-açúcar. Também contará com colaborações dos centros de controle de zoonoses da cidade de São Paulo, que recebe morcegos de diferentes municípios para o diagnóstico da raiva.
“Uma vez que, para realizar o diagnóstico de raiva, é preciso matar o animal a fim de extrair o conteúdo de seu cérebro e, em geral, a carcaça inteira que sobra é descartada, pensamos em fazer colaborações com esses centros para obter os outros órgãos, como intestino, pulmão, rins, baço e fígado”, contou o biólogo.
Após isolar o DNA e o RNA do material, o grupo fará buscas específicas de vírus por técnicas de biologia molecular usando testes de PCR, por exemplo. Uma vez feito o sequenciamento genético do fragmento, serão conduzidas análises filogenéticas preliminares, a fim de ver se a sequência viral se parece com algo já descrito na literatura. Com isso, os pesquisadores terão ideia se o material possui sequências virais, qual o grupo e, mais especificamente, se os vírus encontrados têm alguma relação genética com vírus emergentes já reconhecidos.
Quando os cientistas considerarem a pré-análise relevante, farão o sequenciamento completo do genoma viral da amostra por uma tecnologia conhecida como NGS (sigla em inglês para sequenciamento de nova geração), que é automatizada e de alto rendimento.
“Assim, conseguiremos fazer uma análise evolutiva, considerando os diferentes genes e os dados já disponíveis no banco mundial de dados genéticos. É um vírus novo ou não é? E, posteriormente a isso, tentaremos isolar o vírus usando diferentes linhagens celulares convencionais”, detalhou Góes.
Caso as linhagens celulares já conhecidas não forem suficientes para o isolamento em laboratório, o grupo pretende criar linhagens celulares específicas para isso. “Com o vírus isolado, podemos trabalhar para identificar o receptor celular usado por ele e traçar uma primeira análise para ver se tem potencial de infectar outras espécies de animais, incluindo o homem, avaliando assim seu potencial zoonótico”, comentou o biólogo.
Esta não é a primeira vez que Góes investiga os morcegos brasileiros. O pesquisador já conduziu e participou de diferentes estudos voltados à identificação de vírus com potencial de infectar humanos, como coronavírus e influenza. Em dezembro de 2022, quando realizava pós-doutorado no Instituto de Virologia na Charité-Universitätsmedizin, em Berlim, teve um artigo publicado na revista Emerging Infectious Diseases.
Nessa instituição, Góes e colegas detectaram RNA de arenavírus em 1,6% de 1.047 morcegos investigados no Sudeste do Brasil entre 2007 e 2011. Os resultados sugeriam que esses animais são um reservatório subestimado de arenavírus, que podem causar uma grave síndrome febril hemorrágica em humanos. O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos.
Informações da Agência FAPESP
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