Os custos e benefícios do reflorestamento da Mata Atlântica ainda precisam ser mais bem quantificados, afirmam cientistas em artigo publicado recentemente na revista Restoration Ecology.
O trabalho foi conduzido por pesquisadores ligados ao Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza (BIOTA Síntese), sediado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e apoiado pela FAPESP por meio do programa Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCDs).
Em 2016, o Brasil assumiu o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 ao assinar o Acordo de Paris; já o Estado de São Paulo tem como meta a restauração de 1,5 milhão de hectares até 2050, proposta assumida na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021 (COP 26), realizada em Glasgow, na Escócia.
Esses grandes números com os quais os governos e a sociedade estão se comprometendo evidentemente requerem a criação de planos e programas factíveis, o que envolve clareza dos custos”, destaca Rafael Chaves, ecólogo e especialista ambiental da Secretaria do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil), além de vice-diretor do BIOTA Síntese.
“Custos também são uma informação crucial para financiadores e executores de projetos. Já a clareza sobre os benefícios é um motivador fundamental para migrarmos da lógica de restauração exclusivamente em cumprimento à lei para a lógica da restauração de forma a obter diversos benefícios econômicos, sociais e ambientais, gerando maior engajamento entre os diversos setores da sociedade para que os grandes números virem realidade”, acrescenta.
Intitulado Custos e benefícios da restauração ainda são pouco quantificados: evidências de uma revisão sistemática da literatura sobre a Mata Atlântica brasileira (na tradução em português), o estudo se valeu de uma revisão sistemática de literatura de artigos, publicados em periódicos científicos entre 2001 e 2021, que abordaram diferentes tipos de restauração florestal em áreas previamente degradadas da Mata Atlântica. Os autores encontraram apenas 15 artigos sobre o tema com informações acerca dos aspectos econômicos da restauração, além dos dados de quantificação monetária dos custos e benefícios. Dez artigos quantificaram os custos da restauração florestal, enquanto sete quantificaram os benefícios econômicos. Porém, apenas dois estudos detalharam simultaneamente tanto os custos como também os benefícios. Dos 15 trabalhos levantados, 11 foram publicados entre 2018 e 2021.
Lorenz Schimetka, autor principal da revisão, explica que os números, ainda que modestos, não seriam um problema se as 15 publicações fossem mais detalhadas na questão dos custos e benefícios. “Com algumas exceções, muitas delas não têm um foco científico no bioma inteiro ou não distinguem os valores econômicos de maneira detalhada, focando, por vezes, em lugares específicos e em valores genéricos”, diz. “Então, isso mostra que o conhecimento científico sobre a rentabilidade da restauração florestal hoje é limitado [para ser aplicado na prática]”.
Pesquisador do grupo de políticas de conservação da natureza e da floresta na Universidade de Wageningen (Países Baixos), Schimetka avalia que a Mata Atlântica é um dos chamados “hotspots de biodiversidade”, termo que define regiões com níveis altos de biodiversidade e em perigo devido às atividades humanas. Além disso, é um “hotspot de restauração florestal”.
De acordo com Schimetka, “é um bioma onde a restauração florestal já foi bem estudada, graças ao trabalho científico incrível que já foi realizado lá. Isso é uma condição prévia necessária para fazer uma revisão sistemática de publicações sobre o tópico”.
Desde a colonização do Brasil pelos portugueses, a Mata Atlântica tem sofrido diversos impactos, sendo considerada a primeira fronteira do desmatamento desde a exploração do pau-brasil e outros produtos florestais. “Atualmente cerca de 70% da população brasileira vive dentro das fronteiras da Mata Atlântica e, por isso, seus serviços ecossistêmicos são destacadamente importantes”, comenta o engenheiro florestal Pedro Krainovic, pesquisador de pós-doutorado no projeto BIOTA Síntese e autor sênior do artigo.
Entre os serviços ecossistêmicos oferecidos pelo bioma destacam-se o provisionamento de água e o sequestro de carbono, a proteção dos solos e da biodiversidade e a polinização, que se relaciona com a produtividade agrícola. Doutor em ciências florestais tropicais, Krainovic também acrescentou que outros produtos florestais desse bioma podem dar início a uma cadeia importante de suprimentos de produtos (como madeiras, frutos, óleos e resinas) que podem gerar emprego e renda.
Além de melhorar e ampliar os serviços ecossistêmicos, os benefícios da restauração de paisagens florestais da Mata Atlântica incluem a possibilidade de elaborar um planejamento para atingir multifuncionalidade, ou seja, quando uma floresta é capaz de manter suas características naturais ao mesmo tempo em que possui atratividade econômica para proprietários de terra.
“Por exemplo, o Estado de São Paulo é o principal consumidor interno de madeira nativa da Amazônia e isso poderia ser gradualmente substituído [ou diminuído] mediante a produção de madeira nativa da restauração planejada da Mata Atlântica, ao mesmo tempo em que se aumenta área de cobertura florestal biodiversa, também com provisionamento de serviços intangíveis [como sequestro de carbono, proteção do solo, melhoria da qualidade da água e manutenção da biodiversidade]”.
Rafael Chaves reconhece que as políticas públicas são palco de confronto e tentativa de conciliação entre as demandas de diversos setores da sociedade. “Quando falamos em restauração, estamos falando em ocupar uma parte de um território que poderia ter diversos usos possíveis.”
Monocultivos agrícolas, por exemplo, possuem custos e benefícios conhecidos e bem comunicados devido à sua importância para a balança comercial no Brasil. Por outro lado, Chaves acrescenta, diversas áreas que foram inicialmente desmatadas para usos agrícolas estão hoje degradadas e com baixíssima produtividade, especialmente em pastagens. “A restauração também pode ser, como a agricultura, uma geradora importante de receitas, com a vantagem de recuperar o solo, fixar carbono e oferecer múltiplos benefícios ambientais e socioeconômicos, sem deslocar cultivos agrícolas produtivos.”
Chaves cita como exemplo o programa Refloresta-SP, promovido pelo Estado de São Paulo, no qual uma plataforma digital geradora de recomendações de florestas multifuncionais é disponibilizada para proprietários rurais. Essa plataforma indica as espécies com potencial para uso econômico sustentável que são adaptadas à região pesquisada. “O proprietário rural monta uma combinação de seu interesse e visualiza quanto vai custar implantar e qual é o retorno esperado ano a ano”, explica. “Esse é um caso no qual os custos e alguns dos benefícios são sistematizados e comunicados de modo a ajudar quem toma a decisão de como usar suas terras a entender como a restauração pode gerar renda e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade ambiental.”
Os pesquisadores também identificaram que os estudos, até o momento, se concentram principalmente nos Estados do Sudeste, em particular São Paulo (nove estudos). Minas Gerais contabilizou dois estudos, Espírito Santo apenas um e o Rio de Janeiro não apareceu nos artigos selecionados.
Ainda que o Sudeste concentre 45% da área de Mata Atlântica brasileira preservada, ela se estende por 15 Estados, dos quais nove não foram lócus de atenção dos estudos selecionados e analisados.
O artigo Costs and benefits of restoration are still poorly quantified: evidence from a systematic literature review on the Brazilian Atlantic Forest pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/rec.14161.
Informações da Agência FAPESP