A temperatura do oceano, a força das ondas e o volume de água doce que chega ao mar exercem maiores efeitos na abundância e no tamanho de organismos marinhos encontrados em costões rochosos ao longo da costa sudeste do Brasil do que processos ecológicos, como a competição e a predação. Em áreas sob influência de águas mais frias, como a região dos Lagos, no Rio de Janeiro, os animais são entre 25% e 100% maiores do que os encontrados em regiões mais quentes, como o litoral paulista.
As constatações foram feitas por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com colegas da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (Cebimar-USP) e de instituições de pesquisa do exterior, por meio de um estudo apoiado pela FAPESP.
Os resultados do trabalho, publicado na revista Marine Environmental Research, também podem contribuir para estimar os potenciais impactos da mudança do clima sobre a biodiversidade marinha, avaliam os autores.
“Entender os impactos da mudança do clima na biodiversidade é desafiador dada a larga escala espacial em que esses eventos ocorrem, a dificuldade de manipular esses fatores para gerar experimentos controlados e o fato de que nem sempre são pontuais durante o tempo”, diz Ronaldo Christofoletti, professor da Unifesp e coordenador do projeto.
Os pesquisadores avaliaram a influência de fatores ambientais – como a topografia do substrato, a exposição às ondas e a temperatura do oceano e do ar – e ecológicos, como a predação, na estrutura populacional das principais espécies de animais em costões rochosos em uma área de mais de 800 quilômetros (km), entre Itanhaém, no litoral paulista, até Armação dos Búzios, no Rio de Janeiro. A área equivale a mais de 50% da costa rochosa brasileira.
Em uma primeira etapa foram realizadas campanhas de campo para coleta de dados em 62 costões rochosos com o objetivo de garantir que todos os indicadores estivessem sob influência de um mesmo regime de estação climática. Também foram feitas outras campanhas de coleta em campo para avaliação da predação entre as espécies principais e experimentos em 18 costões rochosos para testar como efeitos das mudanças climáticas podem influenciar a predação entre os animais.
Em paralelo ao trabalho em campo e as análises dos organismos em laboratório foram realizadas etapas de sensoriamento remoto e modelagem para obter dados de monitoramento de satélite da temperatura do oceano, da descarga de água doce por rios na zona costeira e da força de impacto das ondas para entender como cada um desses fatores varia em uma escala de menos de 10 km ao longo da costa.
Os resultados das análises indicaram que a maior parte das espécies avaliadas tende a ser menor nas áreas de água mais quente – na região da Baixada Santista até o litoral sul do Rio de Janeiro, por exemplo – do que em áreas de águas mais frias, como as da região dos Lagos no litoral fluminense. As espécies filtradoras, como cracas e mexilhões, são 25% a 35% maiores em águas mais frias, enquanto as espécies carnívoras chegaram a ser 50% maiores e, as espécies herbívoras, 100% a 130% maiores na região de águas mais frias.
Segundo os pesquisadores, uma das explicações para essa diferença de tamanho dos animais de acordo com a temperatura do mar é que, em águas mais quentes, os animais tendem a alcançar a maturidade sexual mais cedo. Dessa forma, investem energia em crescimento por menos tempo e ficam menores e depois investem mais energia na reprodução. Além disso, a região dos Lagos é influenciada pelo processo de ressurgência, que traz nutrientes do fundo do oceano e enriquecem a água, podendo trazer mais energia para a cadeia alimentar.
Os pesquisadores também buscaram entender como as populações de organismos marinhos se diversificam em ambiente natural em um gradiente de temperatura do oceano que varia naturalmente em, aproximadamente, 3ºC, entre os locais com águas mais quentes – na região da Baixada Santista até Ilha Grande, no Rio de Janeiro – e mais frias, como na região dos Lagos.
De acordo com eles, o entendimento de como esse gradiente de temperatura influencia no ambiente natural permite extrapolar os potenciais impactos do aumento da temperatura do oceano que, em 2023, no Atlântico Sul, ficou entre 1º e 2ºC acima da média.
Neste gradiente de temperatura do oceano na costa sudeste brasileira, os pesquisadores buscaram costões rochosos com diferentes graus de impacto das ondas, desde áreas mais abrigadas, com pouca força das ondas, até áreas de alta energia de ondas. Assim, foi possível avaliar, além da temperatura do oceano, o efeito local da força das ondas. “Neste caso, é possível avaliar como o aumento das ressacas no mar, que geram ondas mais fortes, pode influenciar na biodiversidade”, explicou Christofoletti.
Em áreas sob maior influência de ondas, a abundância de cracas foi 50% maior e a de mexilhões e do caracol saquaritá (Stramonita brasiliensis) foi o triplo. Uma das explicações para isso é o aumento na chegada de nutrientes, alimento e larvas por meio das ondas, afirmam os pesquisadores.
Um experimento realizado durante o estudo nos costões rochosos mostrou que, em locais com maior influência de ondas, a predação do caracol saquaritá por cracas é reduzida em razão de as ondas atrapalharem os predadores, que podem ser removidos das rochas. A predação é mais importante em locais com menor influência de ondas, onde as presas são encontradas em menores quantidades e os predadores são mais eficientes em comê-las, uma vez que não são atrapalhados pelas ondas.
“Em um cenário de aumento do nível do mar e da frequência de eventos extremos, os resultados mostram que os organismos podem se tornar mais abundantes, porém com maiores desafios para se alimentar, o que pode gerar um desequilíbrio ecológico. Isso é ainda mais forte somado ao aumento da temperatura do oceano, onde eles também tendem a se tornar menores em tamanho, configurando uma completa alteração das populações naturais do ambiente”, avalia André Pardal, professor da Unifesp e um dos autores do estudo.
Também foram selecionados costões rochosos próximos e distantes da foz de rios para avaliar como a chegada da água doce pode influenciar na biodiversidade marinha.
As mudanças do clima têm intensificado os períodos de chuva extrema, que, por sua vez, resultam em mais água doce chegando ao mar pelos rios, ressaltam os pesquisadores.
“Em um cenário de mudança climática, um costão rochoso próximo a um rio que traz mais água das chuvas intensas, sob exposição das ondas que aumentam na ressaca e em um oceano mais quente, teremos aumento de mexilhões e diminuição da predação sobre eles, o que faz com que este animal se torne mais abundante, domine o espaço e altere toda a biodiversidade natural do ambiente. Este é um exemplo a partir da perspectiva de uma única espécie”, ponderou Christofoletti.
O artigo Environmental factors have stronger effects than biotic processes in patterns of intertidal populations along the southeast coast of Brazil pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0141113624003076.
Informações da Agência FAPESP