Alianças familiares e vingança de sangue na política eleitoral do sertão nordestino: uma análise aprofundada

Por Redação
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As ideias de “coronelismo”, de “mando exclusivista”, de “curral eleitoral”, de “voto de cabresto” moldaram a visão dominante sobre o sertão nordestino, mas foram refutadas pelo antropólogo Jorge Mattar Villela, professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Fruto de duas décadas de pesquisa nas regiões do Pajeú e do Navio, no sertão de Pernambuco, o material acumulado por Villela resultou em três livros e vários artigos sobre política eleitoral, administração pública da violência e culto dos mortos, em um intervalo cronológico de 120 anos. Tudo isso foi condensado no artigo “A Antropologia do Sertão de Pernambuco. Pajeú e Navio”, publicado recentemente na Revista de Antropologia da UFSCar.

Villela contesta a noção de “coronelismo” e apresenta um panorama mais complexo, com um sistema de poder descentralizado baseado em alianças familiares e vinganças de sangue. Nessas regiões, onde nasceu Lampião, o pesquisador identificou um ambiente em que o porte e o uso das armas eram comuns, vivendo um “povo em armas”, onde as vinganças de sangue abundavam.

Com base na documentação estudada, Villela informa que nas grandes brigas de famílias havia grupos capazes de arregimentar vários microgrupos de base familiar, formando bandos armados voltados para o ataque a um inimigo. Ele ressalta que o mando exclusivista já havia sido criticado por intelectuais importantes, mas essa crítica não chegou ao fundo da questão, mantendo-se presa ao viés de pensar a política a partir do Estado.

Outra ideia contestada pela pesquisa é a do cangaço como reação da população mais pobre contra o mandonismo dos ricos ou do poder estatal. Villela destaca que os grandes capitães de cangaço eram de famílias prestigiadas do sertão, e a política eleitoral se baseava em alianças familiares e locais.

Na análise da democracia atual, o pesquisador observa que a política eleitoral do sertão nordestino se mantém, com segmentaridade do voto, complexas negociações intergrupais e alianças familiares e locais presentes no processo.

O estudo de Villela oferece uma visão detalhada das dinâmicas sociais e políticas no sertão nordestino, desafiando interpretações simplistas e iluminando a complexidade das relações de poder e memória na região. Recebeu apoio da FAPESP por meio do Projeto Temático “Artes e semânticas da criação e da memória”.

O artigo “A Antropologia do Sertão de Pernambuco. Pajeú e Navio” pode ser encontrado em: http://metis.fflch.usp.br/sites/metis.fflch.usp.br/files/anexos/2024-09/Jorge%20Luiz%20Mattar%20Villela-2024.pdf.

Informações da Agência FAPESP

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