Garimpos ilegais de ouro reduzem em até 50% os estoques de carbono de áreas mineradas, especialmente durante estações secas. Como consequência dessa emissão, há aumento de até 70% na disponibilidade de mercúrio (Hg) no solo, representando riscos ambientais e de saúde pública, especialmente para comunidades que vivem próximas a esses locais.
Com base em amostras de solo de regiões de mineração ilegal em quatro biomas, pesquisadores brasileiros verificaram que a liberação de carbono para a atmosfera é, em média, de 3,5 toneladas por hectare, enquanto o acúmulo de Hg pode chegar a 39 quilos por hectare. Os resultados estão em um artigo publicado na revista Science of The Total Environment.
Para analisar a dinâmica sazonal dos dois elementos químicos, os pesquisadores utilizaram técnicas avançadas, como a extração química, a espectroscopia e a termogravimetria. Ao fazer as avaliações ao longo do tempo, os cientistas detectaram que a mudança da estação chuvosa para a seca pode elevar em até 20% a liberação de carbono para a atmosfera.
A matéria orgânica no solo tem papel crucial na retenção de mercúrio. Com a mineração e o desmatamento, além de liberar o CO2 para a atmosfera, contribuindo com o aquecimento global, há um acréscimo na disponibilidade de mercúrio no solo. Além disso, as mudanças das estações do ano promovem aumento na liberação de Hg do solo, podendo favorecer a contaminação de corpos d’água, entre eles nascentes, rios e lençol freático, com grande potencial de chegar aos seres vivos.
Os pesquisadores coletaram as amostras em áreas de mineração de ouro nos territórios dos municípios de Tucumã (PA), Colider (MT), Poconé (MT) e Descoberto (MG), que abrangem os biomas Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica. Para trabalhar nessas regiões, contaram com a ajuda de professores e cientistas de universidades e instituições de pesquisa locais, que fizeram a intermediação com garimpeiros para entrar nas áreas de coleta.
Dados do MapBiomas referentes a 2022 apontam que o Brasil tem 263 mil hectares de garimpo, dos quais 92% estão na Amazônia. Desse total da floresta tropical, 77% ficam a menos de 500 metros de algum tipo de corpo d’água, como rios, lagos e igarapés.
Considerando os valores médios de estoques de Hg obtidos no estudo, a estimativa é que esses solos minerados possam abrigar cerca de 10.200 toneladas do metal. A pesquisa destacou que a quantidade de Hg varia significativamente entre os locais analisados, sendo a forma de mineração e a idade dos garimpos os fatores cruciais que influenciaram a dinâmica do mercúrio no solo, afetando diretamente sua concentração e mobilidade.
Nosso trabalho é pioneiro por ter conseguido quantificar a perda de carbono e o acúmulo do metal nas áreas pesquisadas, além de analisar quanto a mudança das estações do ano afeta esses resultados. Porém, ainda precisamos refinar os dados em escala atômica e molecular para desvendar quais compostos orgânicos têm maior potencial de reter Hg e carbono e compreender melhor o papel do clima nessa interação. Isso é fundamental para avaliar o impacto no Brasil como um todo e os efeitos no clima.
Os garimpos ilegais geralmente usam mercúrio em excesso para viabilizar a separação do ouro dos demais sedimentos, causando uma série de impactos sanitários, ambientais, socioculturais e econômicos. Na Amazônia, o ouro está presente no ambiente em forma de partículas muito pequenas. Para uni-las e facilitar a extração, é utilizado mercúrio metálico, que forma um amálgama. Quando liberado, pode sofrer um processo químico por ação de microrganismos, tornando-se um composto altamente tóxico.
Ao longo do tempo, os peixes podem acumular o metal em seus tecidos e, quando consumidos, representam risco para a saúde humana. Estima-se que cerca de 19 mil pessoas, majoritariamente indígenas e ribeirinhos, são diretamente afetadas pela contaminação decorrente da mineração de ouro somente na Amazônia. Nos outros biomas os dados sobre as populações em risco de exposição são menos abrangentes.
No trabalho, os cientistas também citam outro estudo que apontou cerca de 5,4 milhões de hectares de minas legalmente ativas no Brasil, onde os estoques globais de dióxido de carbono equivalente no solo foram calculados em 1,68 gigatonelada. Com base nesses resultados, há uma perda aproximada de até 0,07 gigatonelada de dióxido de carbono equivalente apenas nas camadas mais superficiais do solo, considerando exclusivamente as áreas legais, independentemente do tipo de mineração, e assumindo perdas de carbono semelhantes entre as diferentes regiões.
Para mitigar os danos, é essencial fortalecer as políticas de fiscalização da mineração, incentivar a legalização da atividade e implementar programas de educação ambiental direcionados às comunidades locais. Além disso, é necessário utilizar técnicas capazes de reduzir os impactos causados pela disponibilidade de Hg no solo e na água, como a fitorremediação.
Os cientistas estudaram amostras de uma área de mineração abandonada há mais de 50 anos e observaram sinais de restauração da floresta nativa. Nessa área, os teores de carbono no solo são elevados e os níveis de Hg disponíveis são baixos. No entanto, isso demonstra que o processo de restauração é muito lento e, provavelmente, poderia ser acelerado por meio de pesquisas e o uso de novas estratégias de recuperação.
Para Soares, os resultados obtidos são fundamentais para desenvolver estratégias que promovam o aumento da matéria orgânica no solo visando melhorar a retenção de Hg e minimizar as possíveis emissões de CO2. Essas iniciativas contribuem para mitigar a degradação ambiental causada pela mineração, reduzindo os riscos de contaminação e os impactos negativos sobre o ecossistema.
Atualmente na Inglaterra, o pesquisador está em estágio de pesquisa no exterior com bolsa da FAPESP. O objetivo é desenvolver estratégias para reduzir a contaminação ambiental por meio da adição de nanopartículas de biocarvão e resíduos vegetais, além de compreender como as interações do carbono presente nesses materiais podem influenciar o solo e minimizar os impactos causados pela liberação de Hg.
O artigo Impact of climatic seasons on the dynamics of carbon, nitrogen and mercury in soils of Brazilian biomes affected by gold mining pode ser lido em: [link do artigo].
Informações da Agência FAPESP