COP30 presidida pelo Brasil: oportunidade decisiva para combater a crise climática.

Por Redação
10 Min

Transcorridos 34 anos desde o primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), publicado em 1990, e depois de 29 Conferências das Partes (COPs), reuniões anuais organizadas pelas Nações Unidas (ONU) para definir e implementar ações globais de enfrentamento da crise climática, o mundo continua lançando quantidades crescentes de carbono na atmosfera – um novo recorde, de 57,1 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e), foi registrado em 2023, um aumento de 1,3% em relação ao ano anterior.

A meta do Acordo de Paris (2015), de limitar até o fim deste século (2100) o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços para restringir esse aumento a 1,5°C, parece hoje um objetivo utópico. Ainda mais agora que os Estados Unidos, segundo maior emissor de carbono mundial, se retiraram do Acordo de Paris pela segunda vez.

No fim de 2024 foi realizada em Baku, no Azerbaijão, a COP29. E os protagonistas se preparam para a COP30, aguardada com especial interesse pelo fato, altamente simbólico, de que terá lugar em Belém, em plena Amazônia brasileira. Além dos aproximadamente 7 mil integrantes das equipes da ONU e das delegações de países-membros, o encontro agendado para novembro deste ano deverá reunir grande número de militantes do clima e observadores. A estimativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) é que a capital paraense receba, no total, mais de 40 mil visitantes.

A COP29 terminou com o compromisso de os governos dos países desenvolvidos “assumirem a liderança” pelo aporte anual de, pelo menos, US$ 300 bilhões aos países em desenvolvimento, ao longo da próxima década, para apoiar ações de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) e de adaptação às mudanças do clima. E de que o montante alcance, até 2035, o patamar de US$ 1,3 trilhão. Segundo estudos mencionados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), do Brasil, “as necessidades dos países em desenvolvimento no enfrentamento à crise climática superam a casa dos trilhões de dólares anuais”.

A pauta da COP inclui: redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; justiça climática e impactos sociais das mudanças climáticas.

Segundo o físico Paulo Artaxo, a redução das emissões deve ser o principal objetivo no momento – e não pode ser ofuscado por outros temas, também importantes, mas secundários, nem escanteado com tergiversações. Para dizer de maneira breve e clara: é preciso cortar drasticamente a quantidade de carbono lançada na atmosfera e, para isso, parar de queimar combustível fóssil.

“O IPCC fez projeções da temperatura futura. Indo na trajetória atual, teremos um aumento de 4,3°C. Em um cenário no qual o Acordo de Paris seja implementado como está sendo implementado agora, ou seja, mais ou menos, o aumento será de 3,7°C. A implementação rigorosa dará um aumento da ordem de 2,8°C”, disse. E enfatizou que a maior parte da descarga anual (57,1 gigatoneladas de CO2e) na atmosfera decorre, de longe, da queima de combustíveis fósseis.

Professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e membro do IPCC, Artaxo é integrante do comitê científico do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). Sua advertência foi feita durante a conferência “Caminhos para o Brasil pós-COP29”, promovida pelo PFPMCG em dezembro último, no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP).

Além dele, participaram da conferência Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-vice-presidente do IPCC; e Karen Silverwood-Cope, ex-diretora do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima e atual diretora de clima do WRI Brasil, instituto de pesquisa que participa da rede World Resources Institute (WRI).

Krug, que representou o Brasil nas negociações da COP por aproximadamente 13 anos, queixou-se da lentidão do processo. “Somos 196 países-membros. As decisões, no âmbito das Nações Unidas, são por consenso. Como é que a gente pode fazer as coisas andarem rápido? Sabemos que não estamos em uma trajetória de limitar o aquecimento a 1,5°C. As florestas entraram na agenda em 2005 e a última regra a respeito saiu em 2015. Ou seja, foram necessários dez anos para regulamentar a questão, que era o pagamento por resultados de redução de emissões devidas a desmatamento e degradação florestal, por conservação e manejo sustentável de florestas, por enriquecimento dos sumidouros. Era para os países desenvolvidos pagarem pelo esforço de redução de emissões dos países em desenvolvimento. Foram dez anos de negociações e isso nunca ocorreu. Entrou no mercado de carbono como está agora”, afirmou.

Como Artaxo apontou, em uma apresentação respaldada em indicadores quantitativos, essa morosidade é especialmente inquietante para o Brasil, porque o aquecimento não vai se distribuir de maneira uniforme por todos os territórios. As regiões tropicais enfrentarão efeitos muito mais severos. “Em um planeta 3°C mais quente, o Brasil poderá ter um aumento médio de temperatura da ordem de 4°C a 4,5°C. Isso vai ter um impacto enorme, em especial nos recursos hídricos, na mudança da disponibilidade de água. A Amazônia e o Brasil Central vão perder quantidades muito significativas de água, assim como o sul da África e a Europa Mediterrânea”, informou.

Daí a forte expectativa em relação à COP30, que, realizada na Amazônia e presidida pelo Brasil, pode configurar uma janela de oportunidade para um enfrentamento mais substantivo da crise climática.

Silverwood-Cope fez um balanço positivo das realizações do Brasil na esfera climática. Ao mesmo tempo, deixou no ar uma pergunta desafiadora. “Neste ano, celebramos 15 anos da Política Nacional de Mudança sobre Clima [PNMC]. E, sim, ela trouxe resultados. Em 2009, nossa meta para 2020 era emitir até 2 gigatoneladas. Segundo o sistema oficial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação [MCTI], chegamos em 2020 com um teto, arredondado para cima, de 1,7 gigatonelada. Então, alcançamos a primeira meta, para 2020. Deveremos alcançar também a segunda, para 2025, de 1,3 gigatonelada, porque tivemos, em 2024, uma redução recorde de desmatamento na Amazônia. A previsão é que continuemos baixando o teto: 1,2 giga em 2030; 0,8 a 1 giga em 2035. Mas eu quero apresentar aqui uma questão: hoje, o Brasil emite principalmente por mudança no uso da terra, desmatamento, agricultura. Se tudo der certo, e conseguirmos controlar o desmatamento e promover a restauração, que, nas metas oficiais, é de 12 milhões de hectares até 2030, vamos deixar de ser um país que emite por mudança no uso da terra, e nossa principal fonte de emissão será o consumo energético: na indústria, nos transportes. Alguém neste país, seja no governo federal, nos governos estaduais ou nas agências de pesquisa, começou a preparar o Brasil para um perfil de emissões pós-2030?”, questionou.

A COP30, insistiram os três pesquisadores, pode ser um ponto de virada para o Brasil, tanto pela maior conscientização em relação à responsabilidade climática no âmbito interno quanto pelo protagonismo no cenário internacional, com o país assumindo posição de vanguarda no esforço pela mudança do sistema de governança global, indispensável para que haja alguma chance de sucesso em limitar pelo menos no patamar dos 2°C ou pouco mais o aumento da temperatura ao longo deste século.

A conferência teve a moderação de Luiz Aragão, pesquisador do Inpe e integrante do PFPMCG. Ele ressaltou que ações só de mitigação não serão capazes de manter a sustentabilidade social e econômica dos países. E que iniciativas de adaptação serão também necessárias.

A abertura da conferência teve a participação do professor Ricardo Trindade, diretor do IAG-USP, e do professor Sylvio Canuto, assessor da Diretoria Científica da FAPESP, que representou o diretor científico, Marcio de Castro.

A conferência “Caminhos para o Brasil pós-COP29” pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=_uhn6mEF02c&t=3340s.

Informações da Agência FAPESP

Curtiu? Siga o Candeias Mix nas redes sociais: Twitter, Facebook, Instagram, e Google Notícias. Fique bem informado, faça parte do nosso grupo no WhatsApp e Telegram.
Compartilhe Isso