Como um Estudo de Sedimentos Aquáticos Revela um Século de Poluição em São Paulo

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A história da poluição por metais na cidade de São Paulo está registrada nas camadas de sedimentos acumuladas ao longo do último século. Utilizando a paleolimnologia—um método que permite reconstruir mudanças ambientais passadas com base em testemunhos sedimentares—pesquisadores analisaram um século de poluição por metais na capital paulista a partir de amostras coletadas no Lago das Garças, localizado no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (Pefi). O estudo revelou uma forte correlação entre a industrialização, o crescimento populacional e o aumento da poluição por metais. Os resultados foram publicados na revista Environmental Science and Pollution Research.

Os cientistas avaliaram as concentrações de oito metais: cobalto, cromo, cobre, ferro, manganês, níquel, chumbo e zinco no fundo do reservatório, cujos sedimentos contêm registros de aproximadamente cem anos. O Lago das Garças foi escolhido para o estudo devido à sua preservação histórica, já que nunca foi dragado, permitindo um entendimento preciso das deposições de poluentes ao longo do tempo.

Os pesquisadores realizaram a coleta de testemunhos de sedimentos com o auxílio de mergulhadores, extraindo cilindros verticais do material no fundo do lago. Para datar essas camadas, foi utilizado o isótopo chumbo-210, que possui uma meia-vida de aproximadamente 22,3 anos. Esse método permitiu atribuir idades a cada camada, similar à numeração das páginas de um livro.

Os resultados identificaram três grandes períodos na evolução da poluição por metais em São Paulo. O período pré-industrial, até 1950, apresentou baixas concentrações de metais, evidenciando um tempo com menor impacto humano. Importante ressaltar que o reservatório, formado pela represamento do córrego do Campanário em 1893, foi utilizado para abastecimento de água até 1928.

Entre 1950 e 1975, os níveis de metais começaram a aumentar gradativamente, influenciados pela intensificação do tráfego aéreo no Aeroporto de Congonhas, o crescimento das indústrias no ABC Paulista e a urbanização desordenada. O pico da poluição ocorreu no intervalo de 1975 a 2000, período marcado por um aumento expressivo na concentração de metais como chumbo, níquel, ferro, cromo e cobre, em grande parte devido às emissões veiculares e industriais.

Um dos achados mais significativos do estudo foi a queda nos níveis de chumbo nos sedimentos após 1986, ano em que o Brasil proibiu o uso de gasolina com chumbo por meio do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve). Esse fato ilustra como políticas ambientais podem ter impactos positivos e mensuráveis.

Apesar da redução no chumbo, as concentrações de outros metais, como cobalto, níquel e cobre, continuaram a aumentar na década de 1990, possivelmente em decorrência de mudanças nos processos industriais, incluindo uma siderúrgica nas proximidades que alterou o perfil da poluição metálica.

O estudo destaca a importância dos sedimentos como indicadores ambientais, agindo como arquivos que guardam evidências das mudanças ambientais. Essa análise pode servir para orientar estratégias de proteção e recuperação do meio ambiente. Os pesquisadores enfatizam que, embora algumas reduções na poluição tenham sido observadas, muitos metais persistem nos sedimentos, configurando um passivo ambiental. A pesquisa pode ser utilizada para estabelecer metas de recuperação, considerando os níveis naturais de metais antes da industrialização.

Além disso, o estudo enfatiza a necessidade de controle da poluição atmosférica e da deposição de poluentes nas áreas ao redor de unidades de conservação, como o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga. Os pesquisadores concluem que é essencial implementar políticas públicas rigorosas para a redução da poluição industrial e veicular, além de estratégias de recuperação em áreas contaminadas, visando a melhoria da qualidade ambiental da cidade.

O artigo completo sobre a reconstrução da poluição metálica na cidade de São Paulo, intitulado "Metal pollution reconstruction in São Paulo City (Southeast Brazil) over the twentieth century by paleolimnological approach", pode ser acessado aqui.

Informações da Agência FAPESP

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