No rio Preto: poraquês em ‘condomínios’ submersos nas margens dos igarapés

Por Redação
11 Min

Estar em um igarapé, riacho que nasce na floresta e desemboca no rio, pode ser o mesmo que visitar um condomínio quando se trata da bacia do rio Negro. Nesse caso, parte dos moradores são poraquês da espécie Electrophorus varii, que emitem pulsos elétricos de até 650 volts.

Essa foi a situação encontrada pela Expedição DEGy Rio Negro durante sua passagem pelo rio Preto, no município de Santa Isabel do Rio Negro. Durante um percurso de cerca de 3 quilômetros por um igarapé na margem oposta à comunidade de Campina do Rio Preto, os pesquisadores detectaram sinais elétricos dos poraquês, mas não avistaram nem conseguiram capturar nenhum exemplar.

“Na vegetação típica das margens dos igarapés, o igapó, muitas vezes as bases dos troncos ficam ocas. Algumas formam domos em que os poraquês podem se abrigar e subir para respirar sem precisar sair da toca [a respiração desses peixes ocorre com a absorção de ar atmosférico por meio de um órgão respiratório na boca]. São locais ideais para pôr os ovos, fertilizá-los e cuidar dos filhotes”, explica Carlos David de Santana, pesquisador associado ao Museu Nacional de História Natural, da Smithsonian Institution, nos Estados Unidos.

No rio Preto: poraquês em ‘condomínios’ submersos nas margens dos igarapés
Igarapé onde poraquês vivem em “condomínios” no rio Preto. Ao fundo, o pesquisador Raimundo Nonato Mendes Júnior (foto: André Julião/Agência FAPESP)

Além desses ocos, o solo cheio de raízes das margens pode ser bastante fofo, permitindo que os poraquês se aproveitem dos túneis formados naturalmente, que podem adentrar vários metros a margem dos igarapés.

“Quando o nível das águas subir e os filhotes já forem independentes, os poraquês vão transitar por toda a área alagada do igapó, sendo muito mais fácil visualizá-los”, completa Santana.

A Exp…André Julião* – Larvas de poraquês, chamados de poraquinhos, podem ser acompanhados pelos pais até os seis meses de vida, na transição para o período chuvoso, quando alcançam cerca de 15 centímetros de comprimento. Os pais ensinam os filhotes a caçar, mas depois que se tornam independentes, esses peixes-elétricos vivem solitariamente durante o resto do ano até alcançarem a maturidade sexual.

“É um comportamento muito diferente dos poraquês da bacia do Xingu (Electrophorus voltai), que na seca se agrupam em lagos ou na boca dos igarapés, se abrigando apenas da radiação solar, e caçam coletivamente no início da manhã e início da noite”, lembra Santana sobre outra espécie de poraquê, que emite descargas de até 860 volts.

Durante dois dias, Santana e os doutorandos do MZ-USP Laura Donin e Raimundo Nonato Gomes Mendes Júnior, que também é analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), percorreram o igarapé do rio Preto em busca dos poraquês.

O aparelho que detecta os sinais dos peixes-elétricos apitava a cada 100 ou 200 metros, indicando a presença dos animais em diversos barrancos.

“É como um condomínio ou um conjunto habitacional. Os abrigos estão muito próximos uns dos outros”, surpreendeu-se Mendes, estreante na bacia do rio Negro, que nunca havia observado tamanha densidade de indivíduos.

Em um dos locais, uma vara introduzida no chão causou uma mudança nos pulsos elétricos emitidos pelo indivíduo monitorado pelos pesquisadores. “Um choque!”, espantou-se Mendes. O animal fora atingido, mas não saiu da toca. Por conta da baixa condutividade elétrica das águas na bacia do rio Negro e a distância entre os pesquisadores e os poraquês, o choque emitido não atingiu a equipe.

“Seria preciso que os poraquês estivessem bastante próximos para que nós sentíssemos o choque. Em águas de maior condutividade, como as do rio Amazonas, talvez o tivéssemos sentido levemente”, explica Santana.

No dia seguinte, os pesquisadores foram novamente ao local, dessa vez levando anzóis, iscas e duas redes. Sem sucesso com os anzóis colocados na saída das tocas, deixaram as redes para passar a noite no local. A ideia era que, ao sair para se alimentarem, os poraquês ficassem presos nas malhas.

Quando os pesquisadores voltaram ao local pela terceira vez, apenas traíras e bagres estavam emaranhados nas redes. Esses são outros peixes que se beneficiam dos túneis nas margens para se abrigar. Os poraquês seguiam escondidos.

No rio Preto: poraquês em ‘condomínios’ submersos nas margens dos igarapés
Em vez de poraquês nas redes, a equipe encontrou peixes de outros grupos que também se aproveitam das tocas na margem dos igarapés, como as traíras (foto: André Julião/Agência FAPESP)

Larvas de poraquês, chamados de poraquinhos, podem ser acompanhados pelos pais até os seis meses de vida, na transição para o período chuvoso, quando alcançam cerca de 15 centímetros de comprimento. Os pais ensinam os filhotes a caçar, mas depois que se tornam independentes, esses peixes-elétricos vivem solitariamente durante o resto do ano até alcançarem a maturidade sexual.

“É um comportamento muito diferente dos poraquês da bacia do Xingu (Electrophorus voltai), que na seca se agrupam em lagos ou na boca dos igarapés, se abrigando apenas da radiação solar, e caçam coletivamente no início da manhã e início da noite”, lembra Santana sobre outra espécie de poraquê, que emite descargas de até 860 volts.

Durante dois dias, Santana e os doutorandos do MZ-USP Laura Donin e Raimundo Nonato Gomes Mendes Júnior, que também é analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), percorreram o igarapé do rio Preto em busca dos poraquês.

O aparelho que detecta os sinais dos peixes-elétricos apitava a cada 100 ou 200 metros, indicando a …junto habitacional. Os abrigos estão muito próximos uns dos outros”, surpreendeu-se Mendes, estreante na bacia do rio Negro, que nunca havia observado tamanha densidade de indivíduos.

Em um dos locais, uma vara introduzida no chão causou uma mudança nos pulsos elétricos emitidos pelo indivíduo monitorado pelos pesquisadores. “Um choque!”, espantou-se Mendes. O animal fora atingido, mas não saiu da toca. Por conta da baixa condutividade elétrica das águas na bacia do rio Negro e a distância entre os pesquisadores e os poraquês, o choque emitido não atingiu a equipe.

“Seria preciso que os poraquês estivessem bastante próximos para que nós sentíssemos o choque. Em águas de maior condutividade, como as do rio Amazonas, talvez o tivéssemos sentido levemente”, explica Santana.

No dia seguinte, os pesquisadores foram novamente ao local, dessa vez levando anzóis, iscas e duas redes. Sem sucesso com os anzóis colocados na saída das tocas, deixaram as redes para passar a noite no local. A ideia era que, ao sair para se alimentarem, os poraquês ficassem presos nas malhas.

Quando os pesquisadores voltaram ao local pela terceira vez, apenas traíras e bagres estavam emaranhados nas redes. Esses são outros peixes que se be…Electrophorus voltai, que na seca se agrupam em lagos ou na boca dos igarapés, se abrigando apenas da radiação solar, e caçam coletivamente no início da manhã e início da noite.

Em vez de poraquês nas redes, a equipe encontrou peixes de outros grupos que também se aproveitam das tocas na margem dos igarapés, como as traíras.

Para demonstrar o procedimento realizado quando capturam um poraquê em campo, uma parte da equipe foi até o Bosque da Ciência, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, ao fim da expedição.

Um poraquê da espécie comum na bacia do rio Negro (Electrophorus varii) é mantido em cativeiro no local. Depois de cercar o animal com redes numa parte mais rasa do tanque, dois eletrodos (negativo e positivo) foram colocados na água e connectados a um aparelho que amplifica as descargas fracas, usadas pelo peixe para se comunicar e se localizar no ambiente.

No rio Preto: poraquês em ‘condomínios’ submersos nas margens dos igarapés
Poraquê da espécie Electrophorus varii mantido em cativeiro no Inpa (foto: Phelipe Janning/Agência FAPESP)

“Com isso, conseguimos medir algumas propriedades da onda elétrica, como a forma, a frequência e amplitude, características importantes para entender como a bioeletricidade evoluiu entre esses animais”, explica Mendes.

Esse tipo de descarga é uma característica de todas as espécies de peixes-elétricos, tanto dos poraquês como dos sarapós. Cada espécie emite ondas elétricas com forma, amplitude e frequência específicas. As descargas médias e fortes, por sua vez, são uma exclusividade dos poraquês e emitidas por meio de diferentes órgãos elétricos. Para medi-las, o animal deve estar fora da água, sobre uma lona plástica que isola o animal em relação ao solo.

Um eletrodo negativo é posicionado na cauda e um positivo na cabeça, ambos ligados a um osciloscópio digital, aparelho que mede, entre outras características, a tensão elétrica em volts, popularmente conhecida como “voltagem”. O exemplar do Inpa emitiu uma descarga forte de 488 volts, mas essa espécie pode emitir até 650. Com o choque, paralisa as presas e as engole, além de afastar potenciais predadores.

“De modo geral, os poraquês são animais muito resilientes, sobrevivendo aos ambientes mais inóspitos. A evolução da sua anatomia, especialmente dos órgãos elétricos, e de suas descargas certamente contribuiu para que chegassem até aqui. É um grande quebra-cabeça que estamos ajudando a montar”, encerra Mendes.

Acompanhe os outros episódios da série Diário de Campo.

* Colaborou Phelipe Janning.

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