Além de promover uma maior integração com empresas e estimular a formação de startups, as pesquisas com o objetivo de desenvolver tecnologias quânticas no Brasil precisam fazer um esforço para atrair para suas fileiras especialistas de outras áreas que não a física, como engenheiros, químicos, matemáticos e profissionais do setor de computação. Dessa forma, o caminho para a criação de produtos comerciais baseados em propriedades quânticas, área considerada estratégica por países como China, Japão, Estados Unidos e União Europeia, poderia ser encurtado ou se tornar menos árduo.
Essa é uma das ideias centrais que foram discutidas por mais de duas dezenas de pesquisadores, autoridades e empresários que participaram da Conferência Temática sobre Ciência e Tecnologias Quânticas, que ocorreu nos dias 5 e 8 de abril, respectivamente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Organizado pela FAPESP e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o evento foi uma das atividades preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que ocorrerá de 4 a 6 de junho em Brasília.
As tecnologias quânticas exploram propriedades da mecânica quântica, que explica o comportamento da matéria e da luz na escala atômica e subatômica. O Brasil conta com cerca de 120 pesquisadores que atuam em algum ramo das ciências quânticas, com grupos estabelecidos e produção científica relevante em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
A maioria dos membros das equipes é de físicos. “Nosso primeiro desafio é desenvolver a engenharia quântica”, disse o físico-matemático Marcelo Terra Cunha, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (Imecc-Unicamp), um dos coordenadores da conferência. “Precisamos atrair pessoas de outras áreas para colaborar conosco.”
O objetivo é ter equipes com profissionais de várias áreas trabalhando no desenvolvimento de tecnologias quânticas, inclusive especialistas da área administrativa e dos negócios que possam auxiliar as empresas nascentes a criar produtos com possibilidades reais de serem absorvidos pelo mercado. Terra Cunha enfatizou que o mundo está entrando na chamada segunda onda de produtos baseados em tecnologias quânticas. A primeira levou ao desenvolvimento dos transistores, lasers e relógios atômicos, dispositivos usados por uma infinidade de produtos da sociedade atual, como computadores, celulares e sistemas de navegação por satélite.
A nascente segunda onda se divide em três grandes áreas. A maior delas é a computação quântica, baseada na exploração dos qubits (bits quânticos), que seria capaz de resolver problemas que não podem ser enfrentados por máquinas clássicas e dar respostas mais rápidas. “Cerca de 90% dos investimentos internacionais estão nessa área”, comentou o físico da Unicamp. A segunda linha de pesquisa e desenvolvimento explora sistemas de comunicação e criptografia quântica, que garantiriam formas mais seguras de trocar e proteger informações. A terceira enfoca a criação de sensores quânticos, dispositivos que poderiam medir propriedades, como campo elétrico e magnético, temperatura, pressão, aceleração e rotação.
“Temos pesquisadores competentes na academia nas ciências quânticas”, comentou o físico Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outro coordenador da conferência e um dos principais nomes da pesquisa quântica no Brasil. “Mas, como em outras áreas, faltam empresas desenvolvendo produtos no setor.” Davidovich lembrou que o domínio das tecnologias quânticas é uma área estratégica, de interesse nacional, e que países como os Estados Unidos, o Reino Unido e a China contam com iniciativas de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias quânticas ligadas diretamente aos seus governos centrais. Estima-se que metade do investimento mundial em tecnologias quânticas venha da China.
Para ilustrar a sensibilidade do tema, o físico Ivan Oliveira, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), disse que costumava usar, para fins de pesquisa, os serviços em nuvem fornecidos pelo computador quântico da empresa norte-americana D-Wave por um custo módico. No entanto, recentemente, o preço do serviço disparou e, pior, seu acesso foi barrado. “Não conseguimos mais usar o serviço”, comentou Oliveira, que participou do evento no Rio de Janeiro, realizado na sede da ABC.
Tanto no Rio como em São Paulo, onde o evento ocorreu na sede da FAPESP, a astrofísica chilena Paulina Assmann, CEO da Sequre Quantum, falou sobre o lançamento do primeiro produto baseado em tecnologias quânticas desenvolvido por sua empresa, sediada na cidade de Concepción, 500 quilômetros ao sul de Santiago. Trata-se de um gerador de números aleatórios que pode ser usado em sistemas de cibersegurança. O primeiro cliente da empresa, a Loteria de Concepción, usa o aparelho para um fim mais prosaico: gerar os números de seus sorteios. “Dominar as tecnologias quânticas é uma questão de soberania”, disse Assmann. “Queremos estabelecer parcerias com o Brasil.”
Segundo o físico Paulo Nussenzveig, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), o Brasil está atrasado na corrida pelo desenvolvimento de tecnologias quânticas, mas ainda é possível entrar nessa disputa. Ele enxerga boas oportunidades para a criação de produtos, como sensores, voltados para áreas em que o Brasil tem papel de destaque internacional, como a produção de alimentos.
Uma iniciativa recente de maior destaque é o acordo para a realização de pesquisas conjuntas em tecnologias quânticas assinado pela FAPESP e a Faperj em dezembro do ano passado. Outra é o convênio firmado em 2022 entre a FAPESP, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) para financiar pesquisas estratégicas na área de internet. Entre os projetos apoiados, está a montagem de uma rede física de comunicação que use criptografia baseada em fenômenos quânticos para conectar o CBPF, a UFRJ, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e a Universidade Federal Fluminense (UFF).
Durante o evento na capital paulista, o físico Gustavo Wiederhecker, da Unicamp, destacou o lançamento do primeiro edital da Quantum Technologies Initiative (QuTIa), programa da FAPESP para estímulo de tecnologias quânticas. “Vamos selecionar cinco propostas submetidas por jovens pesquisadores em início de carreira que tenham tido uma experiência recente de pelo menos dois anos no exterior ou ainda estejam radicados lá fora”, disse Wiederhecker, coordenador do QuTIa. Os escolhidos, que podem ser brasileiros ou estrangeiros, terão de se instalar em um centro de pesquisa em São Paulo e contarão com cinco anos de financiamento no valor de até US$ 1 milhão.