No lugar da serpentina e dos confetes, fumacê. Quem for pular o Carnaval de Salvador, este ano, pode ter uma surpresa no circuito. Para prevenir a febre amarela – e, de quebra, a dengue, a zika e a chukungunya – as secretarias Municipal e Estadual da Saúde (SMS e Sesab), planejam levar o combate ao mosquito Aedes aegypti para o meio da folia.
“No Carnaval, a estratégia vai ser fazer aplicação de inseticida com UBV (fumacê) para combater o vetor. Vamos colocar no circuito inteiro para poder reduzir o número de insetos que voam. O inseticida não afeta a larva, mas reduz drasticamente as chances de infecção. Também fizemos isso na Copa e nas Olimpíadas”, afirmou o secretário estadual da Saúde, Fábio Vilas-Boas, que garantiu que não há emergência, apenas prevenção.
Na última quinta-feira, 26, uma reunião entre representantes da SMS, Sesab e da Anvisa definiu estratégias para enfrentar o mosquito durante o período. Segundo a coordenadora de Vigilância à Saúde da SMS, Isabel Guimarães, serão montados postos de atenção ao viajante no porto e no aeroporto de Salvador, alguns dias antes do Carnaval, onde serão distribuídos folhetos de campanha educativa.
No aeroporto e na rodoviária, também deve existir um sinal de áudio, alertando que as pessoas com os sintomas da doença procurem os serviços de saúde. “Vamos também ver uma recomendação com o Ministério da Saúde para que as pessoas das áreas de risco venham vacinadas já”, sugere Isabel.
Além do carro do fumacê nos circuitos Barra-Ondina e Campo Grande, a cargo da Sesab, a SMS vai usar os UBV portáteis, uma espécie de ‘mochila’ individual. “Vamos usar a portátil nas áreas onde o fumacê não pode entrar, como o Pelourinho e o Carnaval nos bairros. É uma dispersão de inseticida que alcance o raio de voo do mosquito”. De acordo com ela, a ação deve começar pelo menos três dias antes da folia e continuar até três dias após a Quarta-feira de Cinzas.
Apesar dessas medidas, Isabel diz que Salvador continua sendo considerada fora da área de risco – e, portanto, não deve receber lotes extras da vacina. Mesmo assim, ela garante que a oferta nos postos deve ser regularizada para atender o público a quem a imunização se destina: crianças com idades entre nove meses e quatro anos e pessoas que vão viajar para as áreas de risco.
O prefeito ACM Neto (DEM) também está confiante que não haja transmissão da doença durante a folia. “Não vai ter febre amarela no Carnaval. Estamos tomando todas as medidas de precaução. Hoje já há uma ampla conscientização da necessidade de ter vacinação. Esse é um problema do Brasil, mas nada que possa colocar em risco a nossa cidade ou a sua capacidade de atrair pessoas para o Carnaval e realizar um belo carnaval”, comentou.
Vacina para todos
Mesmo assim, a médica infectologista Jacy Andrade, responsável pelo Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (Crise) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia, diz que a população deve ficar em alerta, mas não entrar em pânico – especialmente porque a febre amarela faz parte do calendário de vacinação infantil.
“É claro que a gente tem um risco. A própria Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) já disse que é como se a gente fosse uma bomba relógio, por ter muito Aedes (aegypti) na cidade e termos dificuldade em controlar o mosquito. O Carnaval é um momento que a gente tem pessoas de áreas diferentes do Brasil e do mundo. Elas podem tanto pegar uma doença aqui quanto trazer uma doença. Por isso, a gente deve se programar para se vacinar”, explica.
O professor Rodrigo César Magalhães, doutor em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz (COC), unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor do Colégio e da pós-graduação Pedro II, no Rio de Janeiro, também defende a vacinação. Para ele, é preciso mudar o programa nacional de imunização, no que diz respeito à febre amarela: a vacina deveria se tornar obrigatória mesmo nos centros urbanos.
“O risco de uma epidemia urbana é real diante dessa calamidade. A possibilidade de ter uma pessoa infectada e o Aedes aegypti fazer o trabalho é grande. Ou seja, não estamos mais em um cenário tranquilo de febre amarela. É uma tragédia anunciada”, alerta.
Segundo Rodrigo, historicamente, o governo brasileiro sempre enfrentou a febre amarela em duas frentes: vacinação em áreas rurais, para evitar a febre amarela “silvestre”, e combate ao Aedes aegypti nas cidades, para não ter a doença em sua versão urbana. Clinicamente, não há diferença entre elas – apenas na forma de transmissão e no vetor.
“O que está acontecendo hoje é uma falha nos dois modelos. Nem a população das áreas rurais está sendo vacinada, nem o combate ao Aedes está sendo bem-feito nas grandes cidades”, diz. Segundo ele, a febre amarela chegou ao Brasil no século XVIII, mas, inicialmente, foi confundida com a malária e outras doenças da época. A maior epidemia foi em 1929, que foi, inclusive, da doença urbana. Mas o mosquito chegou ser erradicado, em alguns momentos. Depois de 1973, voltou aos grandes centros, onde continua até hoje.