Jornalista Marcelo Migliaccio Mostra Como Devemos Apoiar Os Idosos Deprimidos E Não Julgá-Los Por Um Ato Extremo
Cercado de mistério e preconceito, o suicídio está entre os maiores tabus da humanidade. Muitas famílias ainda tentam apagar da memória social os parentes que dão fim à própria vida. Os enlutados dividem-se entre a revolta, a incompreensível e até a culpa. No planeta, cerca de 800 mil pessoas se matam a cada ano. Oitocentas mil histórias, oitocentas mil dores, oitocentas mil razões.
Na estatística de 2020 consta a morte de Flávio Migliaccio, um dos mais talentosos, carismáticos e queridos atores do País. Ele cometeu suicídio em 4 de maio, aos 85 anos. A maneira como decidiu deixar a vida chocou, entristeceu, provocou questionamentos e reflexões. O filho, Marcelo Migliaccio, deu um depoimento esclarecedor à Veja Rio.
Fica evidente que o pensamento suicida fazia parte da rotina do grande artista havia algum tempo. “Numa de nossas últimas conversas, eu tentava, mais uma vez em vão, motivar aquele homem cansado, desiludido com a avalanche fascista que toma conta do planeta. ‘O mundo está um lixo’, ele me disse. Dias depois, ou antes, não me lembro, ele me deu outra razão para justificar seu desejo de sair definitivamente de cena: ‘Já não escuto direito, minha vista está falhando, a memória também.
Daqui para frente só vai piorar. Já vivi demais. Oitenta e cinco anos. Chega.'”, relatou Marcelo.
O jornalista diz ter levado o pai a quatro psiquiatras. Flávio não se adaptou aos efeitos dos antidepressivos. Nunca aceitou a sugestão de frequentar sessões de psicoterapia. “Usei todos os meus argumentos, mas meu pai não queria mais jogar. Era uma decisão tomada, acho que muitos anos antes daquele domingo em que ele disse que daria uma caminhada pelo bairro e sumiu”, conclui.
Marcelo revela detalhes dramáticos da vida daquele ator que parecia sempre tão alegre. Antes de iniciar carreira no teatro e na TV, ele foi “abusado num seminário e expulso por resistir ao assédio do padre”. “Flávio desacreditou de Deus para sempre”, narra o filho que, apesar do sofrimento, diz ter respeitado a decisão radical do pai.
O intérprete de personagens inesquecíveis — Xerife, Seu Moreiras, Seu Chalita, Mamede, entre tantos outros — salientou sua desilusão no bilhete deixado perto de seu corpo. “Me desculpem, mas não deu mais. (…) A humanidade não deu certo”, desabafou. “Só não posso concordar com uma frase escrita por ele na carta de despedida, a de que seus 85 anos não valeram de nada. Para muita gente, e especialmente para mim, cada olhar, cada sorriso e cada lágrima foram fundamentais”, escreveu Marcelo Migliaccio.