Com documentos datados de 1870, a Filarmônica Minerva Cachoeirana foi uma das 143 instituições, de 66 países participantes, selecionadas em um edital internacional para receber recursos financeiros para executar um projeto de preservação do patrimônio musical. Localizada no município de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, a organização mantém um acervo de 8.895 partituras, muitas do século XIX e XX.
Aberto em março de 2020, o edital foi elaborado pela Prince Claus Fund, uma ONG holandesa que apoia o setor artístico e cultural em países onde a cultura está sob pressão. Em conjunto com a Gerda Henkel Stifung, da Alemanha, as sociedades escolheram dez instituições inscritas.
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Fundada em 1878 pelo maestro Eduardo Mendes Franco, a Sociedade Lítero Musical Minerva Cachoeirana foi uma delas. Em fevereiro deste ano foi iniciado o projeto Preservar e Compartilhar a Memória Musical do Acervo da Filarmônica Minerva Cachoeirana.
“Existia dentro dele (edital) uma linha de apoio voltada a acervos documentais, inclusive em situação de risco, e tinha o acervo de partituras da Minerva muito grande que precisava dessa preservação preventiva, com partituras antigas, e é um documentação que precisa ser preservada”, diz um dos coordenadores do projeto, Roberaldo Galiza.
A quantia recebida é utilizada para conservação preventiva e documentação museológica da Filarmônica. Na primeira etapa do processo foram realizados treinamentos para a higienização correta dos documentos. Os três coordenadores do projeto, Menderson Bulcão, Roberaldo Galiza e Sheyla Monteiro optaram por convidar músicos da própria instituição para monitorar.
Instruídos pela museóloga Aline Gomes, contratada pela Minerva através da contemplação do edital, os jovens aprenderam sobre a higienização mecânica. Para limpar as partituras são usados pó de borracha com um sachê de gaze e algodão ou a trincha.
“É como se esse sachê fosse uma trouxinha de algodão. A borracha ralada é espalhada em cima do documento, e vão passando lentamente o sachê por cima, limpando as áreas da partitura. Já a trincha, que é tipo um pincel mais macio, é usada em documentos mais antigos e mais difíceis de limpar, que precisam de mais cuidado para não danificar”, explica Aline, que é técnica em preservação.
Os músicos foram ensinados com cópias e, após atingirem a qualidade da técnica, deram início aos passos do processo em ordem. Com o diagnóstico do estado dos documentos, as primeiras partituras foram higienizadas em março. Até agora foram limpas e acondicionadas 8.200, o que representa 92% do total. A digitalização, última etapa, será feita quando todas estiverem higienizadas.
Herança mundial
Para o trompetista Samuel Caick, 19, fazer parte da preservação proposta pelo projeto modificou a forma como ele enxerga as partituras. “Elas são o cérebro de tudo, não servem apenas para que eu saiba o que tocar, mas também é como um documento que faz parte da história da instituição, da cidade”, acredita. Junto com Samuel, estão como monitores o percussionista Silas Daniel, 16, e o flautista Heggo Ian, 17.
De acordo com Roberaldo, esta é uma oportunidade importante para aprenderem sobre a educação patrimonial. “A ideia é que eles sejam multiplicadores da relevância que é preservar esses documentos, que contam histórias de épocas da comunidade de Cachoeira, da Bahia, do Brasil e também do mundo”, afirma.
Dentre as peças musicais mais antigas do acervo, entre os séculos XIX e XX, existem arranjos criados de obras originais de países como Itália, França e Estados Unidos. Outra atividade do projeto será a criação de um site institucional para difundir o acervo da Minerva Cachoeirana, que também conta com composições de bandas militares e inéditas.
A previsão para concluir todas as etapas do trabalho é até dezembro deste ano. Para os colaboradores, a Filarmônica faz parte do cotidiano do interior. A partir da música, a Sociedade Lítero Musical Minerva Cachoeirana participa de concertos, cerimônias religiosas e cívicas em todo o estado baiano, como os cortejos da Independência do Brasil no dois de julho em Salvador e em 25 de junho, na própria Cachoeira.
Além disso, a instituição mantém a tradição de formar músicos pela Escola de Música Alcides dos Santos, que oferece gratuitamente aulas teóricas e práticas para dezenas de adolescentes e jovens.