Um estudo com 15 laboratórios públicos e privados de sete estados brasileiros revelou que 11 deles (73%) falharam na detecção do vírus da zika. Cada um dos laboratórios testou 12 amostras; mais da metade (8) apresentou dois ou mais resultados de testes errados, sejam falsos positivos ou falsos negativos.
Os testes moleculares detectam a presença do vírus da zika no sangue ou na urina do paciente por meio de amplificação do seu material genético, formado por RNA.
A metodologia é chamada de PCR (reação em cadeia da polimerase) e consiste em criar condições para gerar cópias do material genético até ele ser detectado por um aparelho que mede fluorescência.
O trabalho, publicado na revista científica Emerging Infectious Diseases, dos CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doença dos EUA), não revela o desempenho de cada laboratório. Para manter a confidencialidade, cada instituição participante foi representada por um número.
Participaram do estudo a Fiocruz de Pernambuco, Fiocruz da Bahia, o grupo Dasa, hospital Albert Einstein, USP, Unifesp, Fundação Pró-Sangue, Instituto Oswaldo Cruz do Rio, UFPA, UnB, UFBA, Famerp, Fundação de medicina tropical de Manaus e colaboradores estrangeiros.
Os pesquisadores ressaltam que os resultados são comparáveis aos encontrados em estudos feitos na Europa, onde 60% dos laboratórios precisam melhorar a qualidade dos testes moleculares.
Segundo os autores, a falta de sensibilidade desses ensaios pode afetar as estimativas do risco absoluto da síndrome congênita induzida pelo vírus da zika (o que causa, por exemplo, a microcefalia).
Resultados falsos negativos foram relacionados a amostras com baixas concentrações do vírus da zika, o que pode ser problemático porque essa situação é comumente observada em pacientes infectados com o patógeno. Já os resultados falsos positivos podem estar ligados à contaminação laboratorial.
Esse índice de erros tem impacto na vida das mulheres. Uma grávida com infecção confirmada pelo vírus da zika tem chance de 1% a 15% de ter um bebê afetado.
Durante o surto de 2015 e 2016, muitas grávidas fizeram abortos ilegais após resultados positivos do teste de zika temendo que seus bebês tivessem microcefalia e outras más-formações graves.
Segundo José Eduardo Levi, especialista em biologia molecular do grupo Dasa, um resultado falso negativo pode fazer com que a família não se prepare para ter uma criança deficiente ou prescinda do suporte de um centro especializado já logo após o nascimento.
Já um falso positivo, além de levar a decisões dramáticas, pode fazer com que gestantes passem por exames invasivos, como a coleta de líquido amniótico, o que aumenta o risco de aborto espontâneo. “As duas situações não deveriam existir. Os resultados do estudo me deixaram de cabelo em pé”, diz Levi, um dos autores.
Já o virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e outro autor do estudo, diz que o resultado não o surpreende. “Cem por cento de acerto é praticamente irreal. Qualquer laboratório padece de erros, que são inerentes à técnica”, diz ele.
Para o estudo, o virologista Jan Felix Drexler, do centro médico da Universidade de Bonn, na Alemanha, enviou aos laboratórios brasileiros um painel com 12 amostras de sangue com vírus inativo.
O painel contemplou quatro amostras positivas de vírus da zika com diferentes cargas virais e oito amostras com outras arboviroses como chikungunya, dengue, encefalite japonesa e de Saint Louis, vírus do Oeste do Nilo e da febre amarela, que poderiam provocar reações cruzadas.
O pesquisador selecionou amostras positivas e negativas (previamente testadas) e distribuiu, de forma cega, para os diferentes laboratórios brasileiros. Seguindo as suas metodologias, cada laboratório analisou as amostras e aferiu o diagnóstico. Só quatro deles apresentaram resultados totalmente corretos.
Uma possibilidade levantada na pesquisa para explicar os erros é o uso de reagentes de baixa qualidade, que pode comprometer a qualidade dos testes. Na América Latina, o preço desses materiais chega a ser 200% mais caro que nos países desenvolvidos.
“Tem muita porcaria nos pregões eletrônicos que acaba sendo comprada por ser de baixo custo”, afirma Levi.
Segundo Nogueira, outro ponto importante mostrado na pesquisa foi uma superioridade das plataformas automatizadas para a extração do RNA em detrimento das manuais, que podem aumentar o risco de contaminação e, consequentemente, de um resultado incorreto.
Por: Folhapress