Os dois podem ter contraído doença do carrapato considerada “super rara”; a Sesab, porém, ainda não sabe informar o que causou as mortes
Após 16 dias internado no Hospital Clériston Andrade, em Feira de Santana, o estudante de veterinária Matheus Wagner Pessoa, 30 anos, morreu. O atestado de óbito emitido pela equipe médica do hospital, no dia 9 deste mês, registrou a babesiose como doença responsável pela morte. Conhecida como “doença do carrapato”, a babesiose também constava no atestado de óbito de uma criança de 4 anos no Hospital Aliança, em Salvador, depois do São João.
A Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) divulga hoje uma nota técnica em que informa estar investigando um suposto surto da doença, considerada “super rara” pela diretora de Vigilância Epidemiológica do Estado (Divep), Maria Aparecida Figueiredo. Ela salienta, todavia, que nos dois casos, uma amostra do sangue das vítimas foi enviada para a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro e, em ambos, foi descartada a existência do protozoário babesia, responsável pela doença. A Sesab, porém, ainda não sabe informar o que causou as mortes.
“Tem alguns médicos que estão notificando esta doença. Estamos tratando como evento inusitado, investigando, mandando para laboratório. Até então, pelo laboratório oficial, não é babesiose. Tem que investigar outra causa”, disse Maria Aparecida.
Segundo ela, na nota que a Sesab torna pública hoje, será informado que esta doença é endêmica (com registros frequentes) em algumas regiões dos Estados Unidos, “mas aqui não é”. De fato, no ano de 2011, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) do governo americano registrou 1.128 casos da doença. No Brasil, a literatura médica registra, em toda a história, cerca de dez casos em humanos.
A doença
A babesiose é comum, no país, entre os animais. Ela atinge principalmente cachorros, gatos, cavalos e bois, e é transmitida com a mordida do carrapato, que tem de manter-se ao menos por quatro horas em contato com a pele para absorver o sangue, digerir e eliminar os dejetos com protozoários. A maioria das variações existentes no país, entretanto, não infecta humanos.
Nas variações do protozoário que infectam o ser humano, segundo informações da Fiocruz, depois que a pessoa é picada pelo carrapato infectado, os sintomas aparecem entre 7 a 28 dias. O paciente apresenta sintomas parecidos com o da malária, com febres intercaladas, anemia, problemas intestinais, cansaço, dor no corpo, dor de cabeça e calafrios. A doença pode ser curada em todos as ocorrências, desde que diagnosticada e tratada corretamente.
Matheus e criança que morreu com diagnóstico da doença têm em comum o contato com animais: o rapaz estudava Veterinária e a criança passou o São João em um sítio.
Preocupação
A própria chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica de Feira de Santana, Amarry Morbeck, teve uma filha de 8 anos infectada pela doença, que teve diagnóstico confirmado em exame feito por uma médica de Feira de Santana, Nadjane Miranda. Sua filha ficou internada por 11 dias no Hospital São Rafael, em Salvador, e foi curada com medicação.
Amarry não quis falar sobre o caso em sua família, mas disse que oficialmente não trabalha na prevenção da babesiose, em Feira, porque não foi notificada oficialmente de sua ocorrência.
“Fui notificada que Matheus teve dengue. Acredito que ele teve a dengue, mas o sistema imunológico já tinha uma doença de base. De forma alguma ele morreu só por causa da dengue”, avaliou Amarry.
A hematologista Nadjane Miranda, em parceria com a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), iniciou uma pesquisa com a população local sobre malária, e acabou verificando a ocorrência de ao menos 160 casos de pessoas infectadas pela babesiose.
É o que garante um aluno que trabalha junto com Nadjane, mas preferiu não ser identificado. A Sesab não reconhece esse número, mas admite que Nadjane tem tratado pacientes em Feira com medicação para combater a doença. A médica não quis conceder entrevista.
Segundo o aluno, é possível que os resultados dos exames da Fiocruz tenham dado negativo porque foram testadas variações do protozoário conhecidas no país, mas não de espécies que até então só tinham registro no exterior.
“Há uma série de diagnósticos que se deduz que seja babesiose. A doença tem se apresentado de outra forma, porque os exames não têm dado positivo”, admitiu Amarry Morbeck.
Família diz que soube de doença após morte de rapaz
Ao contrário dos casos de pessoas que foram diagnosticadas pela médica Nadjane Miranda como infectadas pela babesiose, a família de Matheus Wagner Pessoa só soube que o rapaz poderia ter a doença após sua morte. “Eu fiquei sabendo quando o médico disse: ‘Olha, tem uma suspeita forte aqui, já foi descartada a leptospirose, a cirrose, então tem a suspeita de uma doença transmitida pelo carrapato’”, lembrou Maria Tereza Pessoa, mãe de Matheus, à TV Subaé.
O diretor da 2ª Diretoria Regional de Saúde (Dires), Edy Gomes, informou que Nadjane enviará hoje amostras de sangue dos pacientes com suspeita da doença para testes no Laboratório Central da Bahia (Lacen). Ele ressalta que ainda não há testes em laboratório que confirmem a babesiose. “O atestado de óbito a gente não vai questionar, mas não existe nenhum caso de babesiose notificado no estado desde 1983”, disse.
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