Em dez anos, o câncer será a primeira causa de morte no Brasil, consequência da detecção tardia da doença, da demora para início do tratamento e da falta de acesso à medicação avançada
No Dia Mundial de Luta Contra o Câncer, celebrado nesta terça (8), a afirmação do oncologista Carlos Barrios é menos para causar pânico – se é que isso é possível – e mais para fazer com que o País responda a um questionamento crucial para o enfrentamento da doença. “A pergunta é: ‘quanto vale a vida com câncer no Brasil’?”, questiona o médico, que é membro do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (Gbecam).
Se o crescimento da incidência é um fato, o problema é a falta de estrutura para enfrentar essa epidemia, pondera Barrios. “O câncer é uma doença que pode ser curada, pode ser controlada. Nos países desenvolvidos, apesar do aumento da incidência, a morte tem caído. Aqui, crescem as duas coisas”.
Especialista: O maior desafio é tratarmos é tratarmos os cânceres comuns
Um exemplo típico é o câncer de mama. No Brasil, no ano 2000, a doença matava nove a cada cem mil mulheres. Em 2011, o número subiu para mais 11,9. Um movimento na contramão do mundo desenvolvido, em que a chance de cura para esse tipo de tumor chega a 90%. Por aqui, o porcentual é de cerca de 50%.
“O câncer daqui não é pior do que o de lá. A diferença é de que lá há diagnóstico precoce e acesso rápido a atendimento, o que não acontece por aqui”, afirma Maira Caleffi, mastologista e presidente da Femama, Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama
Quanto vale uma vida?
No Brasil, explica Maira, apesar de desde o ano passado a lei prever que o atendimento a pacientes com câncer deve ser iniciado em até 60 dias após o diagnóstico, o prazo não é cumprido no Sistema Único de Saúde (SUS), que atende a cerca de 75% da população. “No SUS, demoram 180 dias entre a detecção e o início do tratamento do câncer de mama. Imagina o que esses seis meses significam na diminuição da chance de cura.”
Isso sem contar o acesso limitado e atrasado às opções de tratamento, explica Barrios. Em pacientes com câncer de mama com metástase – que tem menor incidência, mas é muito mais agressivo -, há uma medicação específica, a Trastuzumabe, que é curativa. “O potencial remédio foi descoberto em 2005, mas a droga só ficou disponível no SUS em 2012. Nesse período de tempo, entre 5 a 6 mil mulheres morreram por falta de acesso a esse medicamento”, diz o médico.
Nesse período, Barrios afirma, os convênios foram obrigados pelo próprio governo a oferecer o tratamento com a droga, que é cara, mas as pacientes da saúde pública se mantiveram à margem. “É uma discrepância absurda. O médico deve prover prescrições diferenciadas frente a um mesmo diagnóstico para uma paciente do SUS e para uma de saúde suplementar, uma vez que o SUS não fornece o medicamento necessário?”
Sem garantia, resta à mulher procurar a Justiça, como fez Rita de Cássia, de Porto Alegre. Ela descobriu o câncer em 2012, quando tinha 39 anos. Fez a cirurgia de retirada de mama, quimioterapia e radioterapia. No ano passado, foi necessário substituir uma medicação por outra que seria a única eficaz para o seu caso, mas que não fazia parte da lista de medicamentos fornecidos pelo SUS. “Precisei acionar a Justiça, comprovar com muitos laudos e justificativas de que era a única medicação e de que eu não poderia arcar com o custo. Foi muito desgastante porque o procurador achava que era muito caro e eu morreria de qualquer forma.”
Decidir ou não investir no tratamento de Rita e de outras milhares de mulheres em sua situação, afirma o oncologista Carlos Barrios, depende de incluir todas as partes envolvidas no processo – administração pública, sociedade civil, sociedades médicas e indústria farmacêutica – para responder a um único dilema ético: “Quanto vale uma vida? Quanto estamos dispostos a investir para manter viva uma pessoa com câncer?”
Por Ocimara Balmant