Dois museus na Bahia se tornaram ícones do abandono, mas têm promessas de investimentos para restaurar seus prédios e acervos
Ele nasceu 428 anos atrás. Ele viu as sinhazinhas tomando banho de sol no pátio superior. Observou a nobreza se empanturrar com banquetes no salão de jantar. Assistiu a senhores de engenho arrotando poder e autoritarismo. Ao mesmo tempo, acompanhou o sofrimento de homens negros na fábrica de açúcar, ouviu seus gritos de desespero no tronco e flagrou sua fuga rumo aos quilombos.
O Wanderley de Pinho é o velho Engenho Freguesia, construído ainda no século XVI, dos mais antigos e importantes patrimônios do país. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ainda em 1944, foi transformado em museu em 1971. Sua degradação chegou a trazer riscos de desabamento da casa-grande e da capela, mas uma reforma emergencial em 2004 manteve o prédio de pé.
A museóloga garante que o que não foi roubado está bem guardado em dois lugares: no Solar Ferrão, no Pelourinho, e no Palácio da Aclamação, no Campo Grande. São 167 peças, entre obras sacras, pratarias, telas, tecidos e paramentos litúrgicos. “Essas peças passaram por restauro. Hoje não temos problemas com o acervo”, assegura Fátima, que luta há quase 15 anos para salvar o monumento e está animada com a possibilidade de o projeto, no valor de R$ 16 milhões, sair do papel (ver boxe na página ao lado).
“Há dez anos, conseguimos uma verba de R$ 500 mil para fazer o telhado, que estava prestes a cair, o assoalho e as salas de visita e jantar. Mas esse foi um projeto provisório”, admite Fátima, que diante dos riscos decidiu transportar o acervo para Salvador. Apenas peças de tecnologia rural e instrumento de suplício (tronco) continuam lá.
Seu conjunto arquitetônico inclui casa-grande, com 55 cômodos, fábrica e capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição da Freguesia. “O Wanderley de Pinho é um monumento grandioso, a única casa-grande do país que tem uma capela geminada”. Especialistas divergem se, em caso de ser reaberto, o Wanderley de Pinho deve mesmo receber seu acervo de volta.
“Certa vez, mandamos um piano com dois candelabros em prata para lá. O piano voltou um escombro. Sem falar na segurança. Quer dizer, não tem condições. Aquilo ali daria era uma boa pousada”, aponta Silvia, que guarda uma pasta de recortes de jornais com notícias do assalto.
Fátima dos Santos discorda da colega. “O museu funcionando, com segurança eletrônica e climatização, não vejo problema. E tudo isso o projeto contempla”, argumenta Fátima, contrária à entrega completa do Wanderley a empresas. “Se você coloca uma pousada ou hotel ali, a comunidade baiana e os turistas não teriam acesso a essa rica história”.
Inicialmente, pensou-se em transferir o acervo para o Parque Tecnológico da Bahia, na Avenida Paralela. Mas, diante da importância do prédio, a comunidade científica reclamou. “Não somos contra a criação de outro museu de tecnologia na Paralela. Pelo contrário. Mas não faz sentido acabar com o espaço anterior”, diz Nelson Pretto. A Sect então recuou e recentemente disponibilizou R$ 2 milhões para a reconstrução do MCT.
O problema é que a Uneb reivindica o espaço. “Queremos o prédio, onde investimos inclusive na infraestrutura. Mas estamos em entendimento”, diz o assessor especial da reitoria da Uneb, Antônio Azevedo.
O que ninguém sabe explicar é como o museu chegou a esse ponto de abandono. “Aí é com as gestões anteriores”, finalizou o assessor.
Projeto prevê restaurante e até centro de convenções
Um contrato de R$ 190 milhões assinado na quarta-feira entre o governo do estado e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pode mudar a vida do museu Wanderley de Pinho e outros monumentos na Baía de Todos os Santos. É que, desse montante, R$ 16 milhões seriam destinados para o projeto da museóloga Fátima dos Santos, que luta para revitalizar o museu.
O plano bancado pelo BID visa recuperar estruturas históricas e atracadouros da baía. Tudo com o conceito de turismo sustentável e participação das comunidades. Tanto que o projeto do Wanderley visa não só a recuperação física da casa-grande, capela e fábrica, mas também o desenvolvimento da região.
Um restaurante, um alambique, uma casa de farinha e até um centro de convenções seriam construídos. “Tem que pensar a sustentabilidade do lugar. É preciso fazer parcerias com empresas da comunidade”, diz Fátima. Correio*