Espaços virtuais despontam como os novos locais de prostituição, já as ruas enfrentam a degradação.
É só andar pelas ruas de Salvador que se nota uma mudança no espaço e na forma de ocupação da cidade. Houve uma época, entre os anos 50 e 70, em que locais de prostituição estavam no auge e concentravam-se na Ladeira da Montanha, entre o Comércio e a Cidade Alta, como o Cabaré dos Coronéis – o Tabaris – situado na rua Chile. Estes locais eram frequentados pela classe média, enquanto a Rua Manoel da Nóbrega, no Pelourinho, tinha uma prostituição voltada para as classes baixas. Hoje, há um gradual processo de desterritorialização da atividade.
O antropólogo e professor Roberto Albergaria conta que no final dos anos 60 para 70 aconteceu o declínio da Ladeira da Montanha e dos chamados “bregas”. Com a Revolução Sexual de 1970, a sociedade mudou e as relações sexuais começaram a acontecer mais cedo e não somente após o casamento. A prostituição de rua ficou para atender a um estrato da população de menor renda, em estabelecimentos de baixo meretrício. Para Albergaria, a prostituição se adaptou às novas demandas do mercado, a despeito das mudanças de costumes. “Hoje não há mais pontos específicos de prostituição. Se eu pudesse dizer um lugar, diria ‘as redes’, a internet, o telefone/celular etc”, afirma.
Os avanços das tecnologias trouxeram novos mercados para o ramo na internet. Em texto publicado na web, o psicólogo Roberto Ceccarelli defende que este campo de atuação não para de aumentar. Segundo ele, nos meios de comunicação, o número das propostas de “serviços personalizados” é cada vez maior. Seja por meio de anúncios, na televisão, via celular, através do Whatsapp, aplicativo de mensagens instantâneas para smartphones; as redes fazem parte do mercado erótico contemporâneo. “Quase todas as fantasias sexuais podem ser realizadas mediante pagamento. Surgiu, a partir daí, a prostituição virtual: sexo vendido por meio de imagens fotográficas, filmes, e mesmo ‘ao vivo’, via webcam”, desenvolveu Ceccarelli.
Os sites que divulgam o trabalho de garotos e garotas de programa estão em alta. Muitos optam por construir blogs próprios a fim de evitarem os pagamentos para a divulgação de suas fotos em site especializados. É comum, também, o uso de fóruns de prostituição, no qual as pessoas pesquisam e comparam preços e serviços de prostitutas. Estas práticas fazem com que o cliente tenha o serviço em casa, sem se expor às casas de strip-tease. Em paralelo, cresce o número de agências de encontros e de garotas de programa e acompanhantes, também chamadas de call girls ou scort girls. Para uma profissional que acompanha executivos e empresários em festas e recepções, é fundamental que nada a identifique como prostituta. Os critérios são completamente diferentes de quem se prostitui na rua. Em vez de manter sua atividade em segredo, ela deve deixar claro quem é e o que faz para ser identificada e abordada pelos clientes.
Segundo historiadores, a prostituição é uma das profissões mais antigas do mundo. A prática era muito comum nas primeiras civilizações da Mesopotâmia, Egito e Grécia. A partir do século XII, a prática passou a ser regulamentada e protegida pela lei. No século XVI, com a Reforma Religiosa, a prostituição caiu na clandestinidade. Já com a Revolução Industrial, as mulheres precisaram enfrentar condições desiguais no trabalho em relações aos homens. Prostituir-se em troca de favores, de melhores condições de vida, revelou-se uma opção.
A prostituição de rua ainda é uma realidade
Existem pontos na cidade onde a prostituição ainda é uma característica marcante. A Orla de Patamares é um destes locais, sobretudo o trecho próximo à entrada da Avenida Pinto de Aguiar, em um muro próximo ao campo de futebol do bairro e uma região em frente a um antigo salão de beleza, que já funcionou como bar. O Comércio, a Ladeira da Montanha e sua paralela, a Ladeira da Conceição, são locais históricos de prostituição favorecidos pela proximidade com a zona portuária da cidade. As duas entraram em um processo de degradação associado ao desgaste físico de seus casarões (na maioria abandonados) e ao tráfico de drogas, sobretudo a frequência de usuários de crack.
Outros pontos de prostituição são a Praça da Sé, a Barroquinha e, de forma mais dissipada, outros trechos da Orla. Nestes casos, os personagens são, principalmente, mulheres de classe baixa. Pesquisa do Projeto Força Feminina, instituição social soteropolitana que tem por missão favorecer a promoção integral das mulheres em situação de prostituição, aponta que 40,6% das mulheres são negras, 55,2% sustentam a casa e mais de 60% delas entraram na prostituição com menos de 20 anos.
Joana Santos* tem 42 anos e até o ano passado fazia programas na Ladeira da Montanha. Hoje em dia não trabalha mais com programas e faz alguns “bicos” como manicure. Joana trabalhou durante 23 anos em uma casa de prostituição e revelou que, há algum tempo, o lugar era mais organizado e seletivo. Não eram aceitas mulheres com envolvimento com drogas e era preciso entregar carteira de saúde. “A gente tinha que usar salto alto, andar sempre arrumada e ficar dentro dos estabelecimentos. Os homens que frequentavam tinham um melhor poder aquisitivo”, acrescenta.
Na prostituição de rua, é frequente a briga pelo ponto. As garotas ou travestis já têm seus pontos específicos de trabalho: estes são locais onde se encontra determinado grupo de garotas. As vezes, apenas uma pessoa é considerada “dona” do ponto ou da esquina. Funciona como uma vitrine para quem passa: neste caso o corpo é o produto. Não é permitido outra pessoa tomar o lugar de alguém que já tem seu ponto, esta é uma regra entre as próprias prostitutas. Quando isto ocorre, as brigas chegam a tomar grandes proporções.
As novas donas das ruas
Outro grupo que têm se destacado nos últimos anos, por estarem nas ruas em situação de prostituição, são as travestis. Segundo Albergaria, com a revolução de 1970, há uma inversão de papéis e, como consequências disso, as travestis passaram a ser mais aceitas, quando se fala no mercado do sexo. “Já existiam travestis desde o século XIX, mas houve uma ‘virada’, com ícones como Roberta Close e Leo Kret”, explica o antropólogo, sobre a popularização de travestis na cidade. Cerca de 90% das travestis de Salvador se prostituem. Segundo Millena Passos, Presidente de Associação de Travestis de Salvador, na cidade cerca de 150 travestis vendem seus corpos nas ruas. Estas têm pontos específicos bastante conhecidos e específicos. Os principais são na Pituba – ao longo da Manuel Dias, nas ruas transversais e paralelas, como a Minas Gerais, a Amazonas e a Maranhão; nas proximidades dos motéis de Itapuã; em Patamares, sobretudo na Avenida Pinto de Aguiar; na Cidade Baixa, no Largo de Roma; e no Centro, ao longo da Avenida Carlos Gomes. “A maioria está na rua porque não tem alternativa de trabalho. As poucas opções são ser cabeleireira, esteticista ou cursar enfermagem”, argumenta Millena.
Prostituição masculina
Os garotos de programa de Salvador normalmente atendem pessoas de todos os sexos, sobretudo outros homens e principalmente homossexuais. Em menor proporção, quando comparados com as mulheres, também é possível encontrá-los nas ruas. “Durante o dia, no Porto da Barra. Durante a noite, é necessário ir ao Beco dos artistas ou à Avenida Carlos Gomes para encontrar um garoto de programa”, afirmou o professor Maurício Tavares, que é articulista do Trabalho Com Sexo. O grande forte da prostituição masculina, porém, vem sendo as saunas gays e, é claro, o espaço virtual.
Naiana Ribeiro
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