Às vésperas de completar 83 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso segue firme em sua trajetória como referência intelectual internacional. Na última quinta-feira, 15 de maio, o sociólogo, filósofo e cientista político recebeu o título de Doutor Honoris Causa na Universidade de Tel Aviv, em Israel, e foi o orador de um grupo composto por personalidades excepcionais, como o australiano Paul Zimmet, um dos maiores especialistas sobre diabetes no planeta, e o matemático canadense David Sankoff, pesquisador renomado na área de bioinformática e no estudo do genoma humano.
Na manhã do último domingo, FHC recebeu a reportagem do Portal Terra para uma entrevista exclusiva, na qual revelou suas expectativas a respeito dos fatos mais marcantes dos próximos meses no Brasil, as eleições de outubro e a Copa do Mundo. Ao menos no terreno futebolístico, o ex-presidente já deixa claro onde estará na hora H: “não vou ao estádio. O melhor lugar para assistir futebol é na frente da televisão”.
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Terra – Gostaria que o senhor falasse sobre o motivo que o trouxe a Israel. Qual a importância do título que lhe foi entregue pela Universidade de Tel Aviv?
Fernando Henrique Cardoso – A universidade me deu um título de Doutor Honoris Causa. Oito pessoas, dos cinco continentes, receberam esse reconhecimento na cerimônia. São todos notáveis, como cientistas, empreendedores e também uma poeta. Sempre tive muitos amigos aqui, inclusive já tenho um doutorado da Universidade Hebraica. Como, à época, eu era presidente, eles foram ao Brasil para me entregar. Agora eu pude vir, e eles me pediram para expressar os sentimentos de todos os laureados com um discurso. Uma tarefa honrosa e difícil, já que tive de falar em nome de todos. Disse um pouco do que penso sobre o mundo em que vivemos e foi muito agradável, uma honraria.
Terra – Falando de política externa, como o senhor avalia a imagem atual do Brasil? Primeiro, tivemos as denúncias de espionagem por parte do governo americano e a pronta resposta da presidente Dilma Rousseff. Também há um aparente desencanto com o País, explícito em uma recente capa da revista inglesa The Economist, que mostrava o Cristo Redentor voando como um míssil desgovernado. Como está o Brasil fora do Brasil?
FHC – Pelo jeito, a presidente Dilma não tem muito gosto pela política externa. Parece ser uma pessoa concentrada na política local. Já o presidente Lula e eu tínhamos mais interesse no exterior. Embora as visões não sejam as mesmas, nós dois tínhamos a convicção de que o Brasil tinha de ter um certo protagonismo. No meu caso, eu achava que o Brasil deveria defender a democracia e os direitos humanos, exercendo uma influência forte na América do Sul, abrindo as portas para a África e mantendo um contato dinâmico com os países do Oriente, sem esquecer que o Brasil é um país ocidental – temos de manter boas relações, sobretudo comerciais, com os Estados Unidos e a Europa.
Já o presidente Lula foi mais para o lado do Terceiro Mundo, e colocou como objetivo a busca por um lugar no Conselho de Segurança da ONU. Ele abriu embaixadas pelo mundo afora. Eu discordava disso porque acredito que o Conselho de Segurança não iria mudar e não abriria espaço para o Brasil, como não abriu. Ele colheu alguns frutos importantes, sobretudo comerciais, com essa presença mais ativa. Mas a presidente Dilma parece que não tem esse mesmo ímpeto – e ainda sofreu com a crise provocada pela espionagem do governo americano. Todos reagiram, como a (chanceler alemã) Angela Merkel. Mas parece que ela ficou um tanto mais desagradada.
Talvez Dilma tenha confundido uma reação necessária com uma posição de bloqueio. O Brasil perdeu espaço. Na América Latina, por exemplo, ela não foi muito ativa na defesa da democracia e os países bolivarianos passaram a ter mais força. O Brasil ficou com uma imagem terceiro-mundista. Já os países do Pacífico, como Chile, Peru, Colômbia e México, avançaram. Hoje, o Brasil está em uma posição intermediária. Não somos líderes e não estamos defendendo valores efetivos.
Veja a postura do Brasil diante do que ocorre na Venezuela. Estamos acanhados, eles estão indo num caminho antidemocrático. Nossa política externa é discutível. Um dos símbolos disso é a imagem do presidente Lula levantando a mão do (presidente iraniano) Mahmoud Ahmadinejad. Ele achava que seria uma grande coisa, mas não passou de uma grande falha diplomática. Mas a imagem do Cristo desgovernado é um exagero, a situação não é tão dramática.