Compreender este momento sob os prismas da comunicação não é fácil. Exige atenção ao discurso da imprensa, das pessoas envolvidas, da retórica do poder e das instituições; exige o conhecimento sobre a história brasileira e o poder de representação do futebol para a nação; não basta apenas interpretar os fatores político-sociais e o sentimento de autoimolação do brasileiro contra a Copa do Mundo para referendar suas mazelas e insucessos. É preciso mergulhar na construção da desconstrução; perceber onde tudo começou e como foi fundamentada a flagelação que cheira a antipatriotismo, o desejo incontido de criticar sem análise, de denegrir-se por vontade e com humor negro, alusão sempre imediata ao modismo institucionalizado da crítica. Por outro lado, pensar na legitimidade desta crítica pode levar a um entendimento mais amplo. Por razão e direito os brasileiros podem contestar, duvidar da organização, aderir a teorias conspiratórias, vaiar e blasfemar-se, com a condição de que no fim, se obtenha a maturidade das ideias.
Mais previsíveis do que as vaias e xingamentos direcionados à presidente Dilma foi a resposta dos seus aliados. Ora, a culpa é da imprensa. E se a culpa é da imprensa, eximem-se de julgamento todos aqueles que estavam posicionados no púlpito da ostentação na Arena Corinthians. A vaia deflagra o descontentamento, amplifica um som desarmônico. Mas de que direção e para qual direção é destinada esta vaia? Será que há um destino ou ela é deflagrada ao simples prazer da imitação conjugativa? Eu vaio, tu vaias, ele vaia! E nós vaiamos em uníssono, em direção ao equívoco da Copa do Mundo, das empreiteiras, da troca de escolas e hospitais por estádios. A vaia antecipa um momento de êxtase que separa o amor pela seleção brasileira do patriotismo encarnado. Depois quem vaiou não lembra mais. Há de considerar que mais importante foi o gol do Neymar e vitória dentro de campo. É possível esquecer que a vaia pela realização da Copa do Mundo confronta-se com uma situação curiosa: vaiam-se aqueles que promoveram o espaço e o espetáculo, o motivo dos gritos, torcida e festa.
A imprensa internacional anda à procura de erros, equívocos, falhas, desinteresse brasileiro. Como se já pudessem supor antecipadamente que o Brasil não seria capaz de realizar um evento desta magnitude. Cede os ouvidos a teorias conspiratórias de todos os tipos e não faz questão de esconder sua insatisfação com o momento. Tem jornalista por aí que se preparou para cobrir o esporte e outros que, desse junho do ano passado, não pensam em outra coisa senão os protestos urbanos. A ânsia por este noticiário tem chamado a atenção dos media. Neste momento, porém, é fácil perceber a força da teoria do agendamento e a profusão de notícias sobre a Copa. Então as manifestações, sufocadas nos arredores dos estádios, longe das câmeras e do raio de ação da cobertura oficial da televisão, em metáfora, é apenas dois pares de formigas a enfrentar um formigueiro gigante. Magnitude estabelecida, a Copa do Mundo adquire reentrâncias onde houver veículo de comunicação. É o assunto do momento e será pelos próximos dias.
Não raras são também as comparações. Em valor de disputa no discurso popular elas só perdem para a autoimolação, a explicitação do nosso espírito de fragilidade diante do mundo. Ora, somos o Brasil. As palavras são sempre de desagravo à organização, porque a Copa do Mundo no Brasil jamais será como aquelas realizadas na Europa. É provável que não estejamos em condição de concorrer ao menos com a África do Sul (2010). Em três dias de competição os prognósticos são sempre negativos e saudosistas. O tão alardeado país do futebol parece julgar-se incapaz de realizar o principal evento do esporte que consagra diariamente. Joga a toalha. É antes o próprio opressor de sua condição. Como torcedor, sentiu-se pungido ao pintar as ruas de verde e amarelo ou pendurar bandeirolas no alto dos postes: é feio torcer pelo Brasil, é odiável compactuar com aquilo que sempre almejou. Aqueles que sempre pintaram o rosto de verde e amarelo reprimem com ojeriza que hoje o faz. Nas entrelinhas não há espaço para meias definições: existem os torcedores e os críticos, existem os críticos torcedores.
Ainda é cedo para compreender todo o processo, mas estes recortes iniciais da primeira semana da Copa do Mundo marcam um contexto sempre passível de debate, agora e depois. Refletem a maneira como o brasileiro, a imprensa, as instituições, os visitantes e as nações aqui representadas tem tratado o evento de acordo com o que veem. É este reflexo mais importante que a análise de qualquer crítico, seja ela oriunda de um jornalista, futebolista, sociólogo, enfim. Esta análise deve partir, sobretudo do próprio sujeito, mas sempre baseadas em ideias sólidas e fatos questionáveis. Não adianta rejeitar e muito menos apoiar quando não existe compreensão do que se diz. Vaias são unânimes, mas também ignorantes se não carregam consigo a verdadeira crítica. Fato é que estes balanços parciais refletem a análise de um curto espaço de tempo. Ainda há muita bola e água para rolar.