O que somos e o que deveríamos ser

Por Redação
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Crédito: Sociedade Racional
Crédito: Sociedade Racional

Gostamos e nos sentimos bem quando alguém referenda nossa política de atenção ao próximo; é justo que nosso ego insufle aos píncaros da existência se um desconhecido evidencia a grandeza de nossas atitudes. É tão comum a obtenção de elogios em troca de benfeitorias e favores que espantar-se com isso consiste numa quebra de ‘entendimento da realidade’, desta realidade. Ou seja, trocam-se préstimos por encômios. De outro modo, altera-se o sentido de favor e obrigação. Significa dizer que um jovem não deve exigir agradecimento a uma senhora quando concede a ela o assento especial num ônibus. Este introito é objeto duma discussão seguinte que envolve a população soteropolitana, que é composta por pessoas sensíveis, compreensivas, educadas, mas nem sempre.

Falta de educação existe em todo lugar e todas as pessoas podem sofrer ou serem acometidas por momento de irritação que faça aflorar o seu lado negativo. Quem pensa que frequentar os espaços escolares e acadêmicos faz do indivíduo um ser mais educado, se enganou. Escolaridade não é educação; podem até se confundir e se complementar na construção do conhecimento, na vivência social, na estruturação do ser humano; mas quando o assunto é sociedade, precisamos dividir bem as definições para classificar o sujeito que, mesmo letrado, passa por cima dos mais humildes, agride, pensa saber mais do que todo mundo; diferentemente daquele que nunca leu um livro na vida, mas exige de si um respeito ao próximo, com palavras simples e que abrem portas: por favor, desculpe-me, obrigado.

Vivemos numa sociedade onde o outro é apenas o reflexo do que não sou. O outro é um ser estranho, invasor do meu espaço, alguém com quem devo manter o mínimo contato possível. Transformou-se o indivíduo da metrópole num ser isolado, insensível, incapaz de manter contato mesmo nas extremas situações de necessidade. Auxiliar um cadeirante na travessia duma pista é como se fosse carregar um fardo social de que não tenho responsabilidade. Porque o ônibus quando atrasa deve certamente ter parado para apanhar um deficiente. Reduzido ao meu eu, finjo dormir para não ceder a cadeira a uma senhora no ônibus e quando a cedo, aguardo um elogio; se o elogio não vier, resmungo: ‘Nem agradece!’.

Das migalhas que vivemos, o elogio é uma coisa excelsa. Mas como esperar um elogio se tudo o que fazemos é artificial? Chegamos a ser maus quando não pensamos no outro. Falo duma questão que é bíblica, cristã, mas acima de tudo social. Aliás, cada vez mais nos parecemos menos com uma sociedade. Somos egoístas, brutos, ferozes quando defendemos nossos direitos e indolentes, preguiçosos e voláteis quando o assunto é ajudar o próximo. Falo com propriedade porque assim vejo e sinto o ambiente em que vivo. Às vezes dá até vergonha de dizer que moro numa cidade grande. Transformaram as metrópoles em berçários de homens infelizes e egoístas, olhos voltados apenas para seus umbigos podres e para seus círculos fétidos. Não percebem, como disse o poeta, que suas piscinas estão cheias de ratos e suas ideias não correspondem aos fatos.

É sempre fácil colocar na conta do poder público as mazelas da sociedade. Que de certa forma são provenientes da ausência deste poder; mas somos sim responsáveis pela convivência, pelo respeito mútuo, pela proteção dos valores da nossa cultura quando o assunto é hospitalidade. E se somos fiéis ao tratamento e respeito aos próximos, devemos reaprender a conviver, a auxiliar, a sentir na pele a dor do outro. Somente assim deixaremos para trás uma marca que é mais mácula dos nossos vícios degradadores da sociedade. Sejamos felizes e não impeçamos que o outro também seja.

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