Desde que as pacientes Anny Fisher e Juliana de Paolinelli conseguiram o direito de importar medicações à base de derivados da maconha, as discussões avançaram.
A pequena Anny nasceu com uma doença neurológica severa, uma espécie de epilepsia que levava a garota a apresentar até 80 convulsões por dia. Desesperados com o estado de saúde da filha, os pais Norberto e Katiele Fisher, residentes em Brasília, buscaram na Justiça o direito de importar uma medicação pastosa à base de canabidiol (CBD), uma das mais de 60 substâncias presentes na maconha (cannabis sativa).
“A primeira dose da medicação foi ministrada e chorávamos porque tínhamos muita esperança nos efeitos”, conta Katiele que, junto com outras famílias, vem travando uma campanha para que o Brasil passe a ser um dos países que permitem a importação de medicações à base de canabinoides, ampliando as chances de assistência para os portadores de neuropatias, esclerose múltipla, glaucoma, doenças neurológicas diversas, Mal de Alzheimer,além de pacientes oncológicos.
No caso de Anny, desde que começou o tratamento, as convulsões desapareceram e a criança passou a comer normalmente, ter mais força para realizar a fisioterapia e a responder aos estímulos do ambiente, como olhar para os pais quando eles chamavam por seu nome. Embora a iniciativa ainda encontre inúmeras resistências da sociedade, inclusive de setores médicos, a situação de melhora na qualidade de vida desses pacientes vem forçando um debate em toda sociedade.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, vem facilitando, inclusive, o chamado de “pedido excepcional de importação” para uso pessoal que possibilita a compra dessas medicações, sem a necessidade de que o solicitante precise de autorização judicial. Até o final de agosto, a Anvisa havia autorizado 50 dos 72 pedidos de importação dos medicamentos à base do canabidiol encaminhados à agência.
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, que funciona no Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo ( Unifesp), também vem defendendo a oficialização de uma Agência Brasileira da Cannabis Medicinal para regular e controlar o cultivo medicinal da cannabis sativa, esclarecer a população sobre os benefícios e riscos que advêm do tratamento e zelar pela abordagem racional do uso medicinal da maconha e seus derivados.
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REGULAÇÃO
Segundo Elisaldo Carlini, psicofarmacologista, professor da Faculdade Federal de Medicina de São Paulo, (Unifesp), diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e membro do comitê de peritos da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre álcool e drogas, o uso terapêutico da maconha, no entanto, não se presta a tratar qualquer dor ou problema e está longe de ser um produto milagreiro ou novo.
“O uso dos canabinoides não se presta a tratar de dores como as de queimadura ou a de uma dor de dente, eles têm um uso específico que são as neuropatias”, explica. O perito também faz questão de ressaltar que o uso dessas medicações à base do Tetra hidrocanabinol (THC) ou Canabidiol (CBD) não traz os mesmos efeitos do chamado uso recreativo, onde o consumidor pode apresentar reações como taquicardia, secura na boca e vermelhidão nos olhos, além de apresentar sensações que variam da euforia aos delírios e alucinações. “O uso terapêutico não é desmedido e tem pouca chance de trazer dependência igual à folha da maconha fumada”, esclarece.
Hoje, mais de 32 países permitem o uso controlado das medicações à base de canabinoides – sintéticas ou naturais. No mercado, os Estados Unidos, por exemplo, usam a Marinol, cuja a apresentação vem em cápsula gelatinosa.
No Reino Unido, a medicação é o Sativex, produto em forma de spray bucal, exportado para mais de 20 países para uso clínico. O Canadá usa um derivado sintético, o Nabiloni, e, na Holanda, o próprio órgão governamental da saúde é responsável por plantar, processar e distribuir a planta para as farmácias.
Como atualmente a solicitação precisa vir acompanhada de um laudo e a prescrição médica, o Conselho Federal de Medicina (CFM) recebeu, em julho deste ano, em sessão plenária em Brasília, os médicos e pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), José Alexandre de Souza Crippa e Antônio Waldo Zuardi, que há mais de 35 anos pesquisam os avanços do composto, e solicitou que os pesquisadores encaminhem expediente apontando para o uso em medicina em que doses seguras, quais efeitos adversos, quais interações medicamentosas possíveis, para quais patologias podem ser liberadas, quais continuariam como experimentais e para as quais não se aplicaria em hipótese alguma para que seja avaliado pela Comissão de Novos Procedimentos Médicos do CFM e levado ao plenário para aprovação.
Em nota, o Conselho Federal de Medicina se manifestou defensor das pesquisas com quaisquer substâncias ou procedimentos para combater doenças, desde que regidos pelas regras definidas pelo Sistema de Ética em Pesquisa.
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