“Sei o que é passar fome.”
Como criticar ou ironizar uma declaração tão contundente?
Ao mergulhar de cabeça na apelação emocional, e ressaltar em seu programa eleitoral na TV que viveu uma infância miserável, sentindo no estômago (e na alma) o que é não ter comida na mesa, Marina Silva evaporou o boato de que acabaria com o Bolsa Família e, de quebra, se lançou a um pedestal quase inatingível.
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A petista não poderá repetir que a candidata do PSB se faz de ‘coitadinha’. O tucano pensará duas vezes antes de acusar a ex-senadora de ser vitimista.
Não dá para desqualificar quem assume ter passado fome. Seria uma atitude vista como desumana e cruel. Bombardear Marina por sua declaração dramática poderia ofender milhões de outras pessoas que também já conheceram (ou ainda sentem) a fome.
Em campanha eleitoral sempre se discute os limites da baixaria, da troca de ofensas, do terrorismo psicológico contra o eleitor. Com Marina, a discussão avança para o campo da emoção. Há um limite para a manipulação emocional?
Por ironia da história, ou, se preferir, do destino, essa guerra eleitoral faz Marina Silva se aproximar virtualmente cada vez mais de Lula, seu ex-mentor e agora novo desafeto.
Na ânsia por se eleger, ambos usaram a origem pobre, o preconceito social e a superação pelo próprio esforço como estandarte da campanha à Presidência da República.
Nos dois casos, a pobreza foi vendida quase como uma virtude, como se ela os fizesse mais merecedores da vitória do que, por exemplo, um candidato de classe média que nunca sentiu a barriga vazia.
“Sei o que é passar fome.”
Depois dessa frase-slogan, não há como apelar mais profundamente ao emocional do telespectador-eleitor.
Ou há?