Ministro da Saúde admite que nova doença se espalha rapidamente. Em Feira, quase todos os moradores de uma rua apresentam sintomas.
O bairro George Américo, em Feira de Santana, é dividido em ruas com nomes de letras, organizado em ordem alfabética: A1, B1, C1, D1, E1… Por lá, a febre Chikungunya já tomou conta do alfabeto inteiro. Uma rua, especificamente, está chamando a atenção dos moradores pela quantidade de suspeitas da nova febre: a Rua R1, bem próxima à policlínica do bairro, que anda lotada.
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Rua R1, no George Américo: mesmo quem não está sob suspeita já espera a chegada dos sintomas |
“Eu não peguei ainda… Aqui a gente diz ainda, porque essa coisa já tomou quase tudo, de fora a fora”, disse um morador, enquanto indicava uma casa vizinha, onde a família inteira já enfrenta os sintomas há alguns dias.
“Meu marido tá indo trabalhar a pulso, para não ficar em casa. Eu já estou sentindo há uns dez dias e minha irmã já adoeceu também. Tem dia que meus dedos ficam tão inchados que eu tenho que tirar o anel”, contou a dona de casa Rosemeire Alves de Jesus, 28 anos, moradora da casa 511.
A Chikungunya, cujo nome de batismo significa “andar curvado”, no idioma kamakonde, falado em tribos da Tanzânia — país africano onde a doença apareceu pela primeira vez, nos anos 1950 — é transmitida pelo Aedes Aegypti, o mosquito da dengue, e pelo primo dele, o Aedes Albopictus.
Mas nem a dengue é tão comum na R1: “Começou este mês e foi pegando todo mundo de vez”, disse Rosemeire. Ela, o marido e a irmã não são os únicos, definitivamente. A eletricista Josélia de Jesus Silva, 46, foi ontem pela primeira vez à Policlínica do George Américo para tentar acabar com as dores.
“Eu estava resistindo, porque meu marido veio, tomou uma injeção e não adiantou nada. Lá na rua, todo mundo pegou, tem uma senhora que ainda está se arrastando”, contou.
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Vigilância Epidemiológica coleta sangue e notifica casos suspeitos |
Josélia também mora na R1 e disse que esperava conseguir coletar o sangue ainda ontem para ter certeza. Na dúvida, ela diz que os vizinhos começam a limpar os quintais. Em Feira, onde 14 casos foram confirmados e há 306 suspeitos, o exame é feito nas policlínicas do George Américo, Parque Ipê, Rua Nova e Tomba.
Vizinhança Embora os casos em Feira de Santana tenham se concentrado nos bairros George Américo, Campo Limpo e Sobradinho, outros bairros da vizinhança já começam a notificar suspeitas da doença. No Parque Ipê, a enfermeira Jaqueline Felipe disse ter feito oito notificações somente na manhã de ontem.
A coleta feita nas policlínicas da cidade é enviada à central, no Tomba, para análise. A dona de casa Vaneide Teles Ferreira, 37, moradora da Rua Itaberaba, no Jardim Cruzeiro, relatou 15 dias de idas e vindas até a Policlínica da Rua Nova. Ela chegou a tomar nove injeções para dores na coluna até ouvir falar da Chikungunya.
“No começo, eu tava achando que era problema de coluna mesmo, mas aí eu fui tomando injeção (na policlínica) e não passava. Foi que eu percebi que era uma coisa diferente, porque a dor é no músculo, nas juntas”, disse. O marido de Vaneide, Reginaldo Cerqueira, levou a esposa à policlínica do George Américo na manhã de quarta-feira (24) para uma coleta de sangue.
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Vaneide, moradora do Jardim Cruzeiro: nove injeções para coluna |
A técnica da Vigilância Epidemiológica de Feira de Santana Maricélia Maia garantiu que a Secretaria Municipal de Saúde deve investigar por que Vaneide recebeu injeções para dor na coluna. “Mas se ela só se queixou de dores na coluna, quem atendeu ia imaginar que era alguma coisa na coluna”, ponderou.
Na rua onde Vaneide mora não possui calçamento e existe um esgoto a céu aberto. Além do matagal no final da rua, também há uma viatura abandonada. “Quando chega a época de dengue, eu tiro do meu bolso para dedetizar”, queixa-se Reginaldo.
Rotina
De acordo com a técnica da Vigilância Epidemiológica de Feira de Santana Maricélia Maia, todos os profissionais de saúde da cidade estão sendo capacitados para tratar a Chikungunya.
“Só na atenção básica, já capacitamos cerca de 250 pessoas. Mas ainda não deu tempo de fazer com todo mundo, porque começamos esta semana. Se tem algum profissional que ainda tem alguma dificuldade, é natural, porque é uma doença nova. Mas estamos dando todas as orientações para diagnosticar e tratar”, disse.
No George Américo, gente se queixando dos sintomas da doença aparece cada vez com mais frequência. “Os pacientes chegam reclamando de febre, dor nas articulações, inchaço. Os médicos continuam anotando os casos e encaminhando para exames”, disse a assistente administrativa da Policlínica do George Américo Inês de Souza.
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Lá, um núcleo da Vigilância Epidemiológica ocupa uma sala, onde os pacientes com suspeita da doença coletam sangue para testes. A dona de casa Maria Antônia de Jesus, de 58 anos, foi uma das que fizeram a coleta ontem.
“Desde terça-feira que inchou tudo: os dedos, o ombro, a batata da perna, os pés. Parecia que eu tinha dormido em colchão de água. Quando a menina me falou desse primo da dengue foi que eu imaginei que fosse isso”, contou ela, referindo-se à nova doença.
A vendedora Andréia Santos de Jesus, 37, também aguardava na fila. “Tô sentindo, há três dias, dor de cabeça, ânsia de vômito, dores nas articulações. Suspeitei quando vi na televisão. Vim fazer o exame, mas eu tenho quase certeza que é isso. É uma dor insuportável”, descreveu.
Medicação equivocada pode agravar a doença
Se você desconfia que está com Chikungunya ou dengue, fuja de antiobióticos, anti-inflamatórios ou de qualquer medicação que não tenha orientação médica, pois o uso indiscriminado para curar as doenças transmitidas pela picada do Aedes aegypti não tratará o problema e ainda poderá agravá-lo, facilitando sangramentos.
De acordo com o professor de infectologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Carlos Brites, os antibióticos não funcionam para tratar o vírus e, sem indicação adequada, trazem resistência às bactérias. Já os anti-inflamatórios ampliam o risco de que as doenças se agravem, progredindo para as formas hemorrágicas.
“O ideal é que, ao perceber que sintomas como febres e dores articulares não cedem depois de três dias e que estão piorando, a pessoa doente procure o serviço médico ou posto de saúde imediatamente para a orientação das medicações que podem ser usadas para tratar o quadro”, esclarece Brites.
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Já o infectologista e membro do corpo clínico da unidade referência em doenças infectocontagiosas na Bahia, o Hospital Couto Maia, Claudilson Bastos ressalta que, na fase inicial, as viroses são todas muito parecidas, mas é importante relatar ao médico sintomas importantes como febre por mais de sete dias, manchas na pele, dor nas articulações que tenham começado de modo súbito e que não cedam.
O médico lembra também a importância de relatar viagens para Feira de Santana e cidades vizinhas.
“As gestantes, as crianças menores de 2 anos, os idosos (maiores de 65 anos) e aquelas pessoas portadoras de outras doenças graves, como o diabetes, são mais vulneráveis às infecções e, por isso mesmo, precisam de mais proteção”, explica Bastos.
Embora, na maioria dos casos, a Chikungunya não traga risco de vida, os especialistas chamam atenção para prevenção, através do combate ao mosquito, nos mesmos moldes da dengue, evitando água parada e os criadouros, além do lixo aberto em áreas públicas.
Nos casos da doença, é importante não descuidar da hidratação dos doentes e a comunicação aos órgãos públicos deve ser imediata através do 136 ou 0800 644 6645.
Matéria original do Correio