Os 15 radares são fixos e foram instalados pela Via Bahia entre abril e dezembro de 2013.
O limite de velocidade é de 100 km/h, mas no carro do dedetizador Elias* o velocímetro chega a marcar 160, 165 km/h… Isso tudo na BR-324, entre Salvador e Feira de Santana, que tem três trechos entre os 100 mais perigosos do país, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Em toda a extensão da rodovia entre as duas maiores cidades baianas, há placas que indicam que radares fazem a fiscalização eletrônica. São pelo menos 28 para anunciar 15 radares ao longo dos 113 quilômetros que estão sob concessão da Via Bahia. Mas Elias – assim como outros motoristas – sabe que provavelmente nunca será multado, porque nenhum sensor denuncia o excesso de velocidade.
“Logo que colocaram os radares, eu ficava com medo e reduzia. Só que depois eu percebi que não estava funcionando. Agora, não reduzir quando vejo os radares é o mínimo. Passo a 160 km/h mesmo”, contou Elias, que viaja pela rodovia pelo menos duas vezes por dia e nunca pagou R$ 574,52 por cometer a infração (considerada gravíssima) de dirigir com velocidade 50% acima da máxima permitida.
Os 15 radares são fixos e foram instalados pela Via Bahia entre abril e dezembro de 2013. Todo o sistema custou R$ 50 milhões. Em tese, cada um dos radares conseguiria identificar a velocidade dos veículos em até 50 metros de distância. Na prática, estão há 11 meses sem uso — podem até funcionar, mas ninguém nunca foi autuado. E nenhum dos responsáveis sabe dizer o motivo.
Educativo
Na verdade, até dizem, mas cada um afirma uma coisa. De um lado, está a concessionária Via Bahia, responsável pela instalação dos equipamentos. Depois, vem a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com quem foi assinado o contrato da cessão. E, para completar, a PRF, que administra a cobrança de multas nas rodovias federais, incluindo a BR-324.
Agora, começa a bagunça. Depois que os radares fossem instalados, a fiscalização deveria começar, certo? Teoricamente, porque, na prática, não é bem assim. Para começar, a Via Bahia diz que só lhe cabia a instalação dos radares – como isso já foi feito, falta agora assinar um contrato entre a PRF e a ANTT. Não teria nenhum problema, se a ANTT não tivesse afirmado, através da assessoria, que “desconhece” a necessidade de assinatura de qualquer contrato.
E, já que é para passar a vez, o órgão diz que os radares estão funcionando “de forma educativa” e que a cobrança deve começar ainda este ano, seguindo o cronograma da PRF. Daí, é a vez da PRF. Segundo a inspetora Mércia Oliveira, chefe do Núcleo de Comunicação da PRF, não há previsão para o início das cobranças… Porque eles aguardam a ANTT.
“Enquanto a ANTT não der o despacho de que está tudo ok, não pode começar a funcionar. Nossa parte é depois disso, porque fazemos a fiscalização”, disse. Segundo ela, o órgão nacional deve regulamentar a aplicação de multas.
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Perigo
Só que enquanto a burocracia emperra a fiscalização, mais condutores desrespeitam o limite de velocidade. “Essa situação desmoraliza a fiscalização e o risco de acidentes continua imperando na via, que já não é segura”, critica o professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Elmo Felzemburg, especialista em Planejamento de Transportes.
Só até outubro deste ano, foram registrados 1.748 acidentes na rodovia – o número já é maior do que o total do ano passado, que foi de 1.570. “Isso é um absurdo. Mostra que a segurança no trânsito não tem sido levada a sério no Brasil, porque o controle de velocidade é o que reduz os acidentes nas estradas”, completou a arquiteta Cristina Aragón, especialista em Estudos de Trânsito. No meio desse jogo de passa e repassa, há a arrecadação de recursos, que deveria ser destinada à União. Hoje, a infração mais cometida na BR-324 já é dirigir com velocidade 20% maior do que a média permitida.
Foram 12.104 ocorrências este ano, até a primeira quinzena de outubro (uma média de 42 infrações por dia, em meio aos cerca de 50 mil veículos que transitam por ali diariamente) – só pelos radares móveis da PRF. Os 13 sensores se revezam também na BR-116 e na BR-101. Só com essas multas registradas em operações periódicas, já dá para ter uma noção do quanto poderia ter sido arrecadado: mais de R$ 1,5 milhão, já que cada uma das infrações custaria R$ 127,69 ao condutor.
Ainda assim, nem a ANTT e nem a PRF querem falar em prejuízo na arrecadação. “Não consideramos isso prejuízo ou lucro, porque não é por aí. O dinheiro proveniente das multas vai para a União e pode voltar para a infraestrutura das estradas ou não”, disse a inspetora Mércia. Em nota, a ANTT afirmou que o “objetivo principal é a redução da gravidade e quantidade dos acidentes”.
Isso sem contar os R$ 50 milhões investidos nos equipamentos. Segundo a concessionária, os radares fazem parte de um sistema inteligente que inclui contadores eletrônicos de tráfego e 32 câmeras.
O condutor Elias*, lá do começo da reportagem, não quis dizer seu nome completo ao CORREIO porque tinha medo de que, após esta publicação, as multas (sim, no plural) chegassem com atraso. Mas aqui vai uma “boa” notícia para ele e quem mais estiver acima da velocidade: as multas do passado não serão cobradas.
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