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Testemunha nega versão da PM e diz que mortos no Cabula estavam desarmados: ‘espancaram todos’

Ele afirma que os 12 homens foram executados em um campo de barro rodeado por uma mata fechada.
Foram tantos mortos que até o fim do dia a polícia não havia conseguido identificar os nomes de todas as pessoas que policiais da Rondesp mataram numa ação, ontem de madrugada, na Vila Moisés, no Cabula. O número oficial chegou a 12 vítimas fatais, entre eles dois adolescentes, e mais quatro feridos — um deles policial — no suposto confronto.

De acordo com a polícia, a ação começou quando homens da Rondesp avistaram uma Saveiro branca e um grupo com seis suspeitos, com mochilas, próximo à agência da Caixa Econômica Federal, na Estrada das Barreiras. Segundo o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Anselmo Brandão, um aviso havia sido emitido pelo Serviço de Inteligência da polícia, no dia anterior, de que um grupo se preparava para organizar uma ataque na região em que atua a Rondesp Central. Por isso, o veículo suspeito teria sido denunciado à Central de Polícia.

Casas vizinhas ao local onde aconteceu a ação foram atingidas pelos disparos (Foto: Marina Silva)

Ao chegar no local, segundo o comandante da Rondesp Central, Agnaldo Ceita, a polícia foi recebida a tiros e iniciou a incursão na comunidade de Vila Moisés. “O local é pouco iluminado, mas, ao descer, a polícia percebeu que não se tratava de seis, mas de cerca de 30 homens que estavam na mata”, disse. Participavam da operação três guarnições, com um total de nove policiais.

“Nós fomos para o embate e houve resistência; 12 vieram a óbito e um policial nosso também foi alvejado”, disse o coronel Anselmo Brandão. O sargento Dick Rocha de Jesus recebeu um tiro de raspão na cabeça e foi encaminhado para o Hospital Roberto Santos. Ele foi liberado e passa bem. “Reagimos de maneira proporcional à agressão sofrida de maneira injusta pelos policiais militares. Não há como, em uma troca de tiros, controlar quantas pessoas serão baleadas”, disse o comandante da Rondesp Central.

Ao todo, 16 pessoas foram baleadas. Dessas, dez chegaram mortos ao Hospital Roberto Santos, um morreu no local do crime e o último morreu ao dar entrada no centro cirúrgico. Até o fechamento da edição, às 20h, a polícia identificou apenas seis mortos: Adriano Souza Guimarães, 21, Caíque Basto dos Santos, 16, Everson Pereira dos Santos, 26, Bruno Pires do Nascimento, 19, Ricardo Vilas Boas Sila, 27, Natanael de Jesus Costa, 17. Famílias ouvidas pelo CORREIO no hospital ainda confirmaram que entre os mortos estão Vitor Amorim de Araújo e Tiago Gomes das Virgens, 19.

Dos quatro sobreviventes, três permanecem internados: Luan Lucas Ferreira de Oliveira, 20, passou por cirurgia e se encontra na enfermaria. Um adolescente também está estável, na enfermaria, e Elenilson Santana da Conceição, 22, tem estado considerado grave e foi encaminhado à UTI ontem. Arão de Paula Santos, 23, baleado na perna, recebeu alta e está preso.

Segundo a polícia, o restante dos 30 pode estar refugiado na comunidade, mesmo feridos. Já o comandante da Rondesp Central, Agnaldo Ceita, disse que soube de feridos que procuraram outras unidades de saúde alegando que foram vítimas de assalto. Embora a polícia tenha falado em cerca de 30 suspeitos, só foram identificados três veículos no local. Além da Saveiro branca, uma moto e um terceiro veículo, de modelo não divulgado.

No final da tarde, quando confirmou o número de mortos, o diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Jorge Figueiredo, apresentou o balanço de apreensões: 14 bananas de emulsão em gel que seriam usadas para explodir os caixas, 15 armas (12 revólveres 38, uma pistola ponto 40, uma pistola 45 e uma espingarda calibre 12), além de 5,7 kg de maconha, 1,5 kg de cocaína, 500g de crack, 24 celulares e R$ 390 em dinheiro.

Outra versão
Um homem que mora próximo ao local do suposto confronto conta outra versão. Ele afirma que os 12 homens foram executados. “Foram muitos, muitos tiros de uma só vez nos rapazes que estavam desarmados!”, disse o morador, que que não quis revelar o nome. Segundo ele, os tiros foram realizados em um campo de barro rodeado por uma mata fechada.

O local estava escuro, quando clareado pelos faróis dos carros da Polícia Militar. Segundo a testemunha, um grupo de rapazes desceu da viatura já sob a mira das armas dos policiais. Foram colocados de frente para matagal e de costas para as guarnições. “Todos estavam com as mãos para cima, outros com a mão na cabeça. Foi quando um PM obrigou um dos rapazes a sair com eles. Antes, o garoto foi quebrado na porrada”.

A pessoa a que o morador se referiu é Luan. “Eles (policiais) desceram com uma das vítimas e disseram: ‘Mostre o esconderijo de vocês’. Eles, então, invadiram a casa de uma senhora e quebraram tudo. A sorte é que ela não estava”, contou o morador.

Ainda segundo a testemunha, Luan foi levado de volta para o campo, onde ainda estavam os demais. “De repente, ouvi rajadas. Me abaixei. Quando ouvi que não tinha mais nada, todos os rapazes estavam no chão”, contou.

A versão é confirmada por outros moradores da Vila Moisés. “Os meninos estavam todos reunidos no campo, quando foram cercados pelas viaturas. Espancaram todos”, disse uma mulher. “A polícia não tem o direito de fazer o que fez. A polícia é paga para proteger e não matar aleatoriamente”, esbravejou outra mulher.

Apesar disso, a polícia disse que o grupo não mora na região. “Para não atrapalhar as investigações, não vamos identificar de onde eles são”, disse o diretor do DHPP, Jorge Figueiredo.

Esconderijo Uma senhora que estava em uma janela revelou que o matagal servia de esconderijo para os traficantes da área. “Quando a polícia vinha, eles corriam pelos becos para chegar à mata, onde esperavam as viaturas sair”, disse.

Na hora dos tiros, uma aposentada de 72 anos que mora próximo ao local pulou da cama apavorada. “Caí no chão do susto e corri para a cozinha”, contou a idosa. Pelo menos dez marcas de tiros ficaram nas paredes. A maioria na entrada do imóvel. Porém, duas balas atravessaram a porta e se alojaram na sala. O quarto de dona Noélia fica ao lado da sala. “Foi Deus que intercedeu por mim”, disse.

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