Um parecer técnico contratado pela família da adolescente cigana Hyara Flor, que morreu aos 14 anos no interior da Bahia, contesta a versão apresentada pela Polícia Civil, em agosto deste ano. O inquérito policial concluiu que o disparo que matou a vítima foi feito pelo cunhado dela, uma criança de nove 9 anos. Na ocasião, os dois brincavam com uma arma de fogo e houve um tiro acidental. No entanto, segundo informações divulgadas pelo g1 bahia, que teve acesso ao documento assinado pelo perito forense Eduardo Llanos, profissional de São Paulo com 30 anos de experiência na área, a arma daquele calibre não pode ter sido disparada por uma criança de 9 anos.
O perito esteve no local do crime e acessou o inquérito policial, antes de concluir o parecer. Além do caso Hyara Flor, o profissional também atuou em casos de repercussão como a morte da mãe do menino Bernardo Boldrini e de Felipe Vieira Nunes, de 30 anos, morto pela PM durante a Operação Escudo, em Guarujá, no litoral de São Paulo, em julho deste ano.
Veja abaixo detalhes descritos no laudo pericial
- Para o perito forense, o fato do marido de Hyara usufruir do direito de ficar em silêncio diante do interrogatório demonstrou uma atitude de defesa desnecessária, uma vez que uma testemunha teria dito estar junto no momento do disparo além do cunhado ter confirmado ser autor do disparo que atingiu a vítima.
- a testemunha teria contato que mesmo tendo ouvido o barulho do tiro, preferiu continuar almoçando enquanto o marido de Hyara Flor saiu do quarto para verificar o que aconteceu e teria dito que não escutou o irmão gritar que teria atirado na vítima;
A Polícia Civil afirmou que segundo depoimento do cunhado de Hyara, a vítima teria manipulado a pistola e colocado nas mãos dele para apontar em direção dela e simular um assalto. Em seguida, ele teria disparado o gatilho e a bala ficou alojada no pescoço da adolescente.
“Atitude desconexa com a realidade pois a deflagração de uma arma precisa de uma manipulação especifica supostamente de conhecimento da vítima a qual saberia as consequências do seu acionamento”, apontou o documento.
‘Zona de tatuagem’
- Segundo o perito forense, o disparo que atingiu a vítima na região do pescoço provocou uma “zona de tatuagem”, na parte de baixo da cabeça. Isto, conforme o documento, significa que ao ser deflagrado o projétil a curta distância da vítima provocou a saída de gases e resíduos expelidos pelo cano da arma.
- A diferença de altura entre Hyara Flor e o cunhado, conforme o documento, obrigaria a criança a realizar um disparo de baixo para cima permitindo a presença de uma zona de tatuagem em grande parte do pescoço em torno do ferimento. No entanto, no inquérito, o médico legista teria observado a zona de tatuagem apenas na região abaixo da cabeça.
- Para determinar a diferença de altura entre Hyara Flor, o marido (que a família aponta como autor do crime) e o cunhado (apontado pela polícia), foram solicitadas fotografias e usados depoimentos que determinam a altura aproximada de cada um. Foi constatado que o tiro foi efetuado por uma pessoa mais alta que a vítima.
- Dentro da análise de imagens cedidas para estudo, o perito constatou que, mesmo após o corpo da vítima ser preparado para seu velório e sepultamento, realizando toda uma higiene para retirar vestígios visíveis de uma morte violenta, parte dos dedos, especialmente a ponta do polegar esquerdo apresentava vestígios atribuíveis a depósito de resíduos de pólvora.
- Segundo o documento, os vestígios podem indicar que a vítima tentou segurar a arma para evitar ser disparada ou posicionou as mão perto do cano.
Falta de provas objetivas
O perito forense também apontou a falta de trabalhos periciais e investigativos com o objetivo de produzir provas objetivas e inquestionáveis “limitam toda e qualquer tentativa de elucidar um crime”.
Segundo o documento, não foram encontrados no inquérito, resultados ou perícias necessárias para obter linhas de investigações que demonstrem a autoria do crime e a real motivação. Veja abaixo a lista dos questionamentos.
- Trajetória e trajeto balístico;
- Resposta as perícias de DNA e digitais na arma;
- Reprodução Simulada;
- Perícia do aparelho telefônico da vítima, e;
- Constatação da exata vertebra cervical onde ficou alojado o projétil.
O parecer técnico criticou a informação passada pelo perito médico legista, que constatou que o projétil entrou na região anterior ao pescoço de Hyara Flor e se alojou na vértebra cervical. “Lamentavelmente o Perito Médico Legista não manifesta em qual das 07 vertebras cervicais ficou alojado o projétil limitando tecnicamente a elucidação do trajeto balístico”, pontuou.
Veja alguns pontos da investigação revelados pela polícia em agosto:
- Resultado do inquérito foi baseado em relatos de testemunhas e elementos periciais;
- A arma foi comprada pela mãe do adolescente em Vitória da Conquista após uma tentativa de sequestro que o filho sofreu em Guaratinga;
- O adolescente tem entre 1,80m e 1,85m de altura, apesar de ter apenas 14 anos. Pela posição do tiro, foi descartado que ele fosse o autor do tiro;
- O disparo foi de uma distância entre 20 e 25 cm. Ou seja, de perto;
- Foi descartado a possibilidade do crime ter sido premeditado por causa da fuga. A família do adolescente parou em um posto de combustível, a caminho do Espírito Santo, e completou o tanque;
- Sobre a violência doméstica: o laudo da necropsia não indicou sinais de violência doméstica internos e externos;
- Testemunhas ouvidas pela polícia disseram, de forma unânime, que o casal tinha uma relação harmônica;
- A versão da vingança por causa da traição não se sustentou com provas.
Fonte: g1