O governo federal está planejando uma ampla reforma administrativa, com o intuito de criar uma nova legislação para substituir o Decreto-Lei nº 200/1967, que foi estabelecido durante a ditadura cívico-militar (1964-1985) e ainda hoje “dispõe sobre a organização da administração federal.”
De acordo com o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), o objetivo é tornar a legislação compatível com a Constituição Federal. Para isso, o MGI e a Advocacia Geral da União (AGU) formaram uma comissão composta por mais de uma dezena de especialistas, incluindo juristas, servidores públicos, pesquisadores e acadêmicos.
Essa comissão tem até abril de 2025, doze meses após sua instalação, para elaborar a proposta de revisão do decreto-lei. Além disso, o MGI emitiu uma portaria em agosto (Portaria MGI nº 5.127) estabelecendo diretrizes para as carreiras do serviço público. Essa norma define princípios e orientações gerais que os órgãos públicos devem seguir ao apresentar suas propostas de reestruturação de cargos, carreiras e planos.
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José Celso Cardoso Jr., secretário de Gestão de Pessoas do MGI, ressalta que essa portaria é o primeiro instrumento normativo desde a Lei 8.112 de 1990, o Estatuto do Servidor. Em entrevista à Agência Brasil, Cardoso Jr. afirma que o governo federal já está implementando uma reforma administrativa na prática, por meio de uma série de medidas infraconstitucionais e incrementais para melhorar a estrutura e o funcionamento da administração pública.
Dentre as iniciativas em andamento estão o concurso público nacional unificado, o dimensionamento da força de trabalho para definir os perfis mais adequados de servidores, e as novas normas para aprimorar a política nacional de desenvolvimento de pessoas. Essas ações, somadas, constituem uma reforma administrativa em andamento.
A reforma administrativa foi anunciada pela equipe de transição do governo em dezembro de 2022. Especialistas avaliam que a reforma em curso é mais abrangente do que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32, apresentada em setembro de 2020 ao Congresso Nacional. A PEC 32 foi aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, mas não chegou a ser votada no Plenário por falta de apoio.
Opinando sobre a PEC 32, o cientista político Leonardo Barreto destaca que politicamente não era viável naquele momento. Já a professora Michelle Fernandez, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), aponta que a PEC 32 é obsoleta e focada na redução de gastos, sem considerar a atuação do Estado em atender a sociedade e implementar políticas públicas.
Sheila Tolentino, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que é necessário fazer a reforma administrativa olhando para os serviços entregues à população. Representantes dos servidores públicos alertaram que a PEC 32 poderia afetar a impessoalidade das contratações, terceirizar carreiras permanentes em áreas como saúde, educação e assistência social, e dificultar investigações de corrupção conduzidas por servidores estáveis.
Entidades empresariais como a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) defendem que a PEC 32 poderia gerar economia e contribuir para a redução da dívida pública. No entanto, o sociólogo Félix Garcia Lopes Jr., pesquisador do Ipea, aponta que premissas erradas como o aumento excessivo de gastos com servidores não condizem com a realidade documentada.
Dados de estudos demonstram que o Brasil possui cerca de 11 milhões de servidores públicos, representando menos de 13% da força de trabalho do país. A maioria dos servidores atua nas prefeituras, governos estaduais e na União, sendo professores, profissionais de saúde e segurança pública os principais segmentos. Nos últimos cinco anos, houve uma redução no número de servidores federais civis.
Félix Garcia destaca um paradoxo na percepção da sociedade brasileira em relação ao tamanho do Estado e burocracia. Enquanto há uma visão de que o Estado está grande e inchado, também se observa uma demanda por mais serviços públicos e políticas de bem-estar. Michelle Fernandez ressalta a importância da burocracia pública na resolução de problemas coletivos, destacando a necessidade de uma administração pública bem estruturada.
Sheila Tolentino enfatiza que as medidas em discussão no governo não se resumem a um simples corte de gastos, mas sim à construção de capacidade para o futuro. Na próxima quinta-feira (24), a comissão de especialistas que discute a legislação para substituir o Decreto-Lei nº 200 se reunirá em Brasília para discutir inovação e controle na administração pública, em um evento que poderá ser acompanhado em tempo real.
Com informações da Agência Brasil.