O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), interrompeu um julgamento no plenário virtual da Corte que pode alterar o entendimento sobre a aplicação do princípio foro por prerrogativa de função, também conhecido como foro privilegiado, ao pedir vista. Até o momento, quatro votos favoráveis à ampliação do alcance do foro privilegiado foram registrados desde o início do julgamento, que teve início na madrugada da última sexta-feira (29).
O relator do caso, o ministro Gilmar Mendes, definiu que a saída de um cargo público com foro privilegiado por renúncia, não reeleição, cassação, aposentadoria, entre outros, só afasta a prerrogativa se o delito tiver sido praticado antes da investidura no cargo ou não tenha relação com o exercício da função. Caso o crime tenha relação com a atuação funcional, a prerrogativa deverá ser mantida mesmo com o afastamento posterior do cargo. O segundo a votar, o ministro Cristiano Zanin, seguiu integralmente o voto do relator.
Se a própria Constituição Federal delimitou o juízo competente para processar e julgar determinados agentes em razão do cargo, é possível depreender que atos contingentes de aposentadoria, renúncia e exoneração, bem como a circunstância de não ser reeleito o agente público, não devem possibilitar a desnaturação do foro previamente estabelecido. Como já mencionado, em atenção à garantia do juiz natural deve prevalecer a regra de competência prevista no texto constitucional no momento da eventual prática do fato criminoso”, afirmou Zanin em seu voto.
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Após o pedido de vista, o ministro Alexandre de Moraes antecipou seu voto no plenário virtual, seguindo o mesmo entendimento do relator. Acompanho o ministro Gilmar Mendes no sentido de estabelecer um critério focado na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado (permanência no cargo). E a proposta apresentada atende a essa finalidade”, escreveu. O ministro Flávio Dino também acompanhou o relator.
A proposta de Gilmar Mendes para ampliação do alcance do foro especial foi apresentada em resposta a um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). O parlamentar é suspeito de ter exigido, a servidores de seu gabinete, o depósito de 5% de seus salários em contas do partido, prática conhecida como “rachadinha”.
Considerando que as condutas imputadas ao senador foram praticadas durante o exercício do mandato e em razão de suas funções, o ministro Gilmar Mendes concedeu a ordem de habeas corpus para reconhecer a competência do STF para processar e julgar a ação penal. O crime começou a ser investigado em 2013, quando Marinho era deputado federal, e posteriormente foi eleito vice-governador do Pará e, em seguida, senador. Durante esse período, o processo foi alternado de competência conforme o cargo ocupado. Marinho defende a permanência do caso no Supremo, argumentando que recuperou o foro privilegiado ao se eleger para o Congresso novamente.
“A subsistência do foro especial, após a cessação das funções, também se justifica pelo enfoque da preservação da capacidade de decisão do titular das funções públicas. Se o propósito da prerrogativa é garantir a tranquilidade necessária para que o agente possa agir com brio e destemor, e tomar decisões, por vezes, impopulares, não convém que, ao se desligar do cargo, as ações penais contra ele passem a tramitar no órgão singular da Justiça local, e não mais no colegiado que, segundo o legislador, reúne mais condições de resistir a pressões indevidas”, destacou Mendes em seu voto.
O caso estava sendo julgado em plenário virtual, onde os ministros votam sem deliberação presencial. Com o pedido de vista, o prazo para que Barroso devolva o processo com seu voto é de 90 dias. A proposta contida no voto de Mendes modifica os contornos da prerrogativa de foro estabelecidos pelo Supremo em 2018, quando os ministros restringiram o alcance do instituto para cobrir apenas os crimes cometidos durante o mandato e em razão dele, resultando em uma mudança automática de instância para processos criminais sem relação com o exercício da função.
A análise do Supremo sobre o tema coincide com a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos mentores do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A prisão de Brazão, que ocorreu por ordem de Moraes, foi referendada pelo plenário do Supremo. Na época do crime, em 2018, Brazão era vereador do Rio de Janeiro, e as motivações apontadas não têm relação com o mandato federal do parlamentar exercido desde 2019 na Câmara dos Deputados.
O entendimento atual do STF estabelece que qualquer conduta de um parlamentar federal, mesmo se cometida antes do mandato, deve tramitar automaticamente no tribunal a partir da posse ou diplomação no cargo. Na mesma investigação do caso Marielle, o Supremo decidiu pela prisão de Domingos Brazão, irmão de Chiquinho e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), bem como do delegado Rivaldo Barbosa, da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
De acordo com a Constituição, o STF é competente para julgar casos envolvendo o presidente da República, vice-presidente, ministros de Estado, parlamentares federais, embaixadores e membros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU).