A cirurgia de vasectomia está, aos poucos, deixando de ser um tabu para os homens. Isso é o que apostam os urologistas e especialistas diante do aumento de procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Bahia. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), entre 2008 e 2017, 14.257 homens buscaram a esterilização. No estado, são realizadas, em média, quatro operações por dia.
Foi o caso do empresário Roberto César Soares Santos, 32 anos, que, depois de ser pai três vezes, decidiu, em conjunto com a mulher, fazer o procedimento. “Decidi fazer a vasectomia pensando no planejamento familiar. E foi uma certeza. Tanto que não fiz nenhum procedimento para armazenamento de espermatozoides”, contou.
No ranking nacional, segundo o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) do Ministério da Saúde, a Bahia ocupa a 4ª colocação entre os estados com maiores variações percentuais de procedimentos realizados nos últimos 10 anos, atrás apenas de Amazonas, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O aumento de procedimentos na Bahia é maior do que a média nacional, que é de 15%. Em todo o país, em 10 anos, foram 260.368 procedimentos.
Mas, nem toda história é tão feliz e cheia de certeza quanto a de Roberto. Há 27 anos, o aposentado Sérgio Lima, hoje com 49, fez o procedimento durante uma cirurgia de hérnia. Pelo menos foi isso o que apontou o prontuário médico. “Fiz muito novo, foi uma loucura. Na época, foi um médico amigo que fez e colocou que seria uma cirurgia de hérnia, já que eu era jovem para o procedimento”, relata.
Sérgio, assim como muitos homens, se arrependem da vasectomia e buscam alternativas para reverter o procedimento. “Tenho muita vontade de reverter, mas acho que não é mais possível. Já fiz exame em São Paulo para medir a fertilidade e deu totalmente negativo”, comentou. Apesar de já ter uma filha, hoje com 27 anos, Sérgio se casou pela segunda vez e a mulher, que não é mãe, sonha com a gravidez.
Exigências
Em razão desse risco de arrependimento, a vasectomia, para ser autorizada, deve cumprir alguns requisitos. De acordo com o urologista Leonardo Calasans, “apesar de existirem possibilidades de reversão, uma pessoa não pode se submeter à cirurgia sem ter a certeza do que quer”. “Para isso, existem algumas exigências: o paciente precisa ter a partir de 30 anos ou dois filhos. Entre a primeira consulta e a cirurgia deve haver um lapso temporal de dois meses”, completa.
O urologista Marcos Leal também reforçou a ideia e afirmou que “os médicos deixam bem claro que se trata de um procedimento de esterilidade definitivo, porque a reversão é complexa e nem sempre é eficaz, além de ser cara”.
No entanto, as múltiplas interpretações dos critérios têm dificultado a vida do técnico audiovisual Daniel Fróes, 38, que desde os 23 anos não consegue fazer a cirurgia, nem em clínica particular. “Muitos médicos me dizem basicamente duas coisas: que eu vou me arrepender e que a reversão não traz 100% de certeza. Mas, muitos deixam transparecer o medo de um processo. Eles alegam que a legislação traz como critérios ser acima de 30 anos ou ter dois filhos, mas muitos interpretam esse ‘ou’ como um ‘e’ e me impedem de fazer o procedimento”, explica ele, que tenta a cirurgia pelo SUS.
Aumento
O aumento das vasectomias na Bahia e no país, de modo geral, apesar de ainda não ter uma explicação científica, pode ser atribuído à “possibilidade de acesso à informação e da quebra de certos mitos e tabus relacionados à vasectomia”, acredita Leonardo Calasans.
Na Bahia, o número de procedimentos feitos apenas no SUS passou de 793, em 2008, para 2.666, em 2017 – um crescimento de 236%.
Para o urologista, há alguns anos, a ideia que se tinha era de que o planejamento familiar e o cuidado com a saúde era de responsabilidade da mulher. “Isso mudou quando a responsabilidade passou a ser dividida”.
No mesmo sentido, Leal afirma que “o aumento no número de pacientes se deve à questão de esclarecimento da população, da maior participação do homem no planejamento familiar, até porque, a laqueadura é muito mais complexa”.
A laqueadura ou a ligadura de trompas é o procedimento utilizado para a esterilização feminina, que, segundo o médico, “é muito mais invasivo e perigoso”. No entanto, na Bahia, o número de laqueaduras feitas nos últimos 10 anos é quase três vezes maior do que as vasectomias.
Entre 2008 e 2017, foram 32.465 procedimentos para esterilizar mulheres, com uma variação de 25% no período. Para os médicos, os números ainda são altos se comparados com os da infertilidade masculina.
Na contramão da Bahia, o Brasil apresenta queda de 25% na média de variação dos procedimentos de laqueadura feitos pelo SUS. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), diante dos números, o credenciamento dos serviços de saúde oferecidos nos municípios acontece desde 2008 para as cirurgias de vasectomia e laqueadura.
Inversamente proporcional
Apenas entre janeiro e a primeira semana de agosto deste ano, a Bahia registrou 1.554 cirurgias de vasectomia e 2.502 laqueaduras.
Em julho, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que a população da Bahia sofreu redução de 532 mil. Para o órgão, as prováveis causas da diminuição habitacional se referem à migração e a queda na taxa de natalidade.
“O que o IBGE percebeu, e por isso revisou a projeção de população do estado para baixo em 2018, é que houve, entre 2010 e 2015 (2016 não entra nessa análise por ter sido considerado um ponto fora da curva em consequência dos efeitos do zika vírus na fecundidade), de fato uma redução no número de nascimentos no estado maior do que nós prevíamos, com base no comportamento da fecundidade até 2010, afirmou Mariana Viveiros, analista de informações do IBGE. Ainda segundo ela, “estima-se que a Bahia tem uma taxa de fecundidade média de 1,69 filho por mulher”. O índice é o 5º menor do país.
Entenda como a cirurgia é feita
O procedimento é considerado simples pelos médicos e pode levar apenas 20 minutos, além de ser feito em caráter ambulatorial sem a necessidade de anestesia geral. “A recuperação é muito rápida e os pacientes que trabalham sentados, por exemplo, sem esforço, devem ficar dois dias de repouso. Já os demais têm um período de recuperação de, no máximo, cinco dias”, explicou o urologista Leonardo Calasans.
No entanto, segundo ele, mesmo com a rápida recuperação, é recomendado que o paciente tenha 10 dias de abstinência sexual. “Depois desse período, o que se orienta é que o paciente faça sexo e ejacule utilizando, porém, outros métodos contraceptivos. Isso acontece porque ele precisa eliminar os espermatozóides que já estavam armazenados. Só depois da realização de um espermograma é que se tem a certeza da infertilidade”, alerta.
Para Calasans, “a não obediência às determinações é a principal causa de se ouvir que alguém fez vasectomia e, mesmo assim, engravidou uma mulher”.
Já para os arrependidos, a vasectomia pode ser revertida por meio de outra cirurgia, mais complexa e mais cara, como destaca o urologista Marcos Leal. No procedimento, acontece a ligação dos canais deferentes, por onde passam os espermatozoides, mas as chances de sucesso variam de acordo com o tempo transcorrido desde a primeira cirurgia.
De acordo com Leal, o que acontece é que, após vários anos, mesmo com a produção de espermatozoides, eles podem não ser férteis, o que dificulta a gravidez.
No entanto, para aqueles que fizeram o procedimento e tentam reverter sem sucesso, Calasans dá uma alternativa, apesar de ressaltar que a vasectomia só deve ser feita em casos de certeza do homem. “Na irreversibilidade da vasectomia, o paciente que desejar ter filhos pode optar pela reprodução assistida, que é um procedimento muito caro”.
De acordo com ele, o SUS, atualmente em alguns estados brasileiros, faz apenas a colheita do material e a inseminação na mulher, mas não arca com os custos dos medicamentos, que são o que, de fato, pesa mais no bolso.
Quanto às mulheres que não conseguem fazer a laqueadura, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) informa que “oferece a realização de planejamento quantitativo de contraceptivos com a Coordenação da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica (Cafab) e Ministério da Saúde para garantir oferta e distribuição para todos os municípios de: pílula combinada, minipílula, pílula de emergência, injetável mensal, injetável trimestral e DIU”.
Mitos e Verdades da vasectomia
Há interferência na questão sexual? NÃO! A vasectomia não mexe em nada na produção dos hormônios masculinos e, consequentemente, o homem não fica sem libido nem tem diminuição da sensibilidade peniana
O homem fica impotente? NÃO! A impotência após a vasectomia pode ser causada, muitas vezes, pelo nervosismo do homem, causado por todos os mitos em torno da cirurgia ou por causa da leve dor nas primeiras semanas.
O homem passa a não ejacular? NÃO! O procedimento interrompe a passagem do espermatozóide e não a produção do esperma. O homem, com isso, continua ejaculando normalmente.
O plano de saúde cobre? SIM! Desde abril de 2009 os planos de saúde são obrigados a custear cirurgias ligadas ao planejamento familiar, como vasectomia e laqueadura.
Preciso continuar usando camisinha e outros métodos contraceptivos? SIM! A vasectomia torna o homem estéril, mas ele continua sujeito a todas as doenças transmitidas sexualmente, inclusive como transmissor. Por isso, o uso de camisinha é fundamental nas relações.
Entenda as diferenças entre vasectomia e laqueadura
A vasectomia é feita por pequeno corte em bolsa escrotal e retirada de segmento de vaso deferente – feito pelo urologista apenas. Laqueadura tubária é geralmente feito por procedimento cirúrgico abdominal, ou por pequeno corte ou por vídeo, e mais recentemente pode ser feito por via vaginal – são procedimentos feitos por ginecologistas.
A laqueadura é um procedimento mais complexo e mais invasivo do que a vasectomia.
A laqueadura interrompe a passagem do óvulo do ovário até o útero, impedindo que encontre o espermatozoide, bem similar conceitualmente com a vasectomia, mas a mulher continua ovulando e menstruando normalmente.
Onde buscar atendimento
A Sesab destacou que é importante que a população baiana saiba que, tanto para a vasectomia quanto para a laqueadura, o serviço é custeado pelo SUS e o atendimento começa nas unidades básicas de saúde dos municípios.
Já na rede particular, a vasectomia tem custo que varia entre R$ 800 e R$ 4 mil, a depender do médico, da anestesia utilizada e dos valores pagos à clínica.
Por Correio