Covid-19 não devastou a África, para surpresa de muitos. Por quê?

Por Redação
7 Min
África do Sul é o país do continente com maior número de casos de covid-19
Siphiwe Sibeko/Reuters

Quando já estava claro que a covid-19 seria uma pandemia global, especialistas em saúde pública alertaram para o efeito devastador que teria na África, previsão que não se concretizou e que muitos cientistas ainda tentam explicar hoje.

“Não é que as pessoas acreditem que o coronavírus não exista, mas falam entre si: ‘você conhece alguém que já passou?’, ‘Você conhece alguém que está infectado?’ E a resposta é sempre não”, Daniel Murkuru (nome fictício) explica à Efe sobre a percepção dessa pandemia em sua comunidade, Kibera, um dos maiores subúrbios de Nairóbi, capital do Quênia.

Ao contrário da Europa ou da América, onde a disseminação do coronavírus volta a ganhar força ou permanece fora de controle, as infecções parecem ter diminuído na África.

O continente africano registra pouco mais de 1,4 milhão de casos — menos de 5% do total mundial e quase a metade na África do Sul — cerca de 34 mil mortes e pouco mais de 1 milhão de curas em uma população total de 1,3 bilhão de habitantes.

Testes insuficientes
No início, o grande quebra-cabeça por trás desses números relativamente baixos foi a falta de testes de triagem, com apenas três países — África do Sul, Marrocos e Etiópia — nos quais mais de meio milhão de testes foram realizados, e apenas 16 onde mais de 100 mil testes de triagem foram feitos.

Na semana passada, 13,6 milhões de testes foram confirmados em todo o continente, de acordo com dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças na África (CDC África).

“Os testes são a pedra angular da resposta a esta pandemia. Sem os testes estaremos lutando às cegas”, reconheceu na semana passada o diretor do CDC, John Nkengasong.

“Precisamos aumentar os testes e melhorar o tempo de resposta do teste para que possamos identificar, isolar e tratar rapidamente os casos positivos”, disse Nkengasong, que elogiou as medidas de bloqueio drásticas tomadas pelos governos africanos contra o coronavírus. depois que o primeiro contágio continental foi detectado em 14 de fevereiro no Egito.

No início da crise sanitária, também foi destacada a opacidade de alguns governos, como os da Eritreia e da Tanzânia — com 364 e 509 casos oficiais confirmados, respetivamente —, onde a coerção das liberdades e a falta de informação impedem saber exatamente como é a evolução da pandemia dentro de suas fronteiras.

“O risco de contrair a covid-19 em Dar es Salaam — a cidade mais populosa da Tanzânia — é extremamente alto. Apesar dos relatórios oficiais limitados, todas as evidências apontam para um crescimento exponencial da epidemia”, alertou a Embaixada dos EUA naquele país, além de denunciaram a existência de “hospitais saturados”.

No entanto, a essas duas hipóteses (falta de teste e opacidade da informação), junto com o menor tráfego aéreo que a África recebe em comparação com o Ocidente, foram adicionadas novas teorias científicas que tentam dar uma primeira resposta ao motivo de o coronavírus não ter atingido de alguma forma tão mortal nesses países em desenvolvimento.


Possível “imunidade cruzada”

“A África do Sul está indo bem e, sem dúvida, felizmente para nós, os tipos de projeções imaginadas pelos modeladores não se concretizaram”, confirma o investigador principal do ensaio da vacina VIDA contra covid-19 na Universidade de Wits, na África do Sul, Shabir Madhi, sobre a nação africana mais afetada pelo vírus.

Em sua opinião, e como pesquisas anteriores já haviam apontado — inclusive um estudo realizado pela Universidade de Oxford (Reino Unido) em julho — isso pode ser devido à “imunidade cruzada” de uma grande porcentagem da população, previamente exposta a outras cepas coronavírus sazonais mais brandos que causam tosses e resfriados.

“Isso poderia explicar porque, apesar do fato de que uma porcentagem relativamente alta da população foi infectada, nossas instalações sanitárias não ruíram e o número de mortes projetadas não foi alcançado”, continua Madhi, falando à rádio sul-africana. 702.

Uma população mais jovem
De acordo com estudos científicos, existem quatro tipos de coronavírus que infectam humanos regularmente: NL63, 229E, OC43 e HKU1; sendo o quinto, conhecido como SARS-CoV-2, aquele que causa a covid-19.

Se uma pessoa já foi infectada por um deles — fato mais comum em bairros populosos e marcados pela pobreza —, é possível que seu corpo desenvolva alguma imunidade contra o resto do coronavírus, que faria sua infecção pelo SARS-CoV-2 ser menos grave e não levaria à morte.

Em 15 de setembro, o Ministério da Saúde da África do Sul estimou, enquanto se aguarda os resultados completos dos estudos nacionais de soroprevalência, que o número real de infecções no país seria em torno de 12 milhões — cerca de 20% da população — embora os dados oficiais tenham contabilizado 650.749 infecções.

Se esses cálculos forem confirmados, e apesar do número real de mortes também ser estimado pelo menos 2,5 vezes maior do que as quase 16 mil mortes relatadas, uma pandemia menos mortal seria demonstrada mais uma vez e com um número maior de pacientes assintomáticos.

Por sua vez, uma expectativa de vida menor e uma população muito mais jovem do que a da Europa ou dos Estados Unidos — com uma idade média no continente africano de cerca de 19 anos — também influenciou, segundo especialistas em saúde pública, que menos pessoas vulneráveis são hospitalizadas ou morrem como resultado deste novo vírus.

“Nas minhas projeções, acredito que a segunda onda será menos severa que a atual”, sentenciou Madhi, que alerta que muito provavelmente, como os outros coronavírus, a covid-19 permanecerá entre nós como um “incômodo sazonal”. (EFE)

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