Pintor esperou quatro horas por atendimento antes de morrer; corpo no banheiro de hospital era dele.
Pintor aposentado, diabético, morador do Nordeste de Amaralina e pai de oito filhos. Era de Walter de Assis Motta, 60 anos, o corpo deixado no banheiro da emergência do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) na última segunda-feira.
Mesmo com o cadáver de Walter no local, o banheiro continuou sendo usado — a acompanhante de um paciente denunciou o caso ao CORREIO, que publicou a foto na edição da última terça-feira. Ela deu banho no tio ao lado do corpo de Walter.
O operador de guincho Felipe Batista Motta, 20, filho de Walter, também registrou a situação. “Eu mesmo tirei a foto”, conta, confirmando se tratar de seu pai. “Eu me senti muito mal de ver meu pai sendo levado, passando na frente da gente e indo direto para o banheiro”, desabafou por telefone Felipe, que estava com a mãe, acompanhando o pai no hospital.
Eu me senti muito mal de ver meu pai sendo levado, passando na frente da gente e indo direto para o banheiro
Felipe Batista Motta, operador de guincho
Era a segunda vez, em quatro dias, que Walter dava entrada na unidade. O idoso tinha ido ao Roberto Santos na sexta-feira, dia 27 de fevereiro, após, segundo o filho, sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). “Ele teve um AVC na sexta-feira em casa. A gente foi lá no Roberto Santos, passaram um remédio para ele tomar até domingo e liberaram. Quando foi segunda-feira, piorou e a gente voltou”, explica Felipe.
Teoricamente, seu Walter estava no lugar certo. O Roberto Santos é referência em atendimento de pacientes com AVC, com 14 leitos na Unidade de Acidente Vascular Cerebral, dentro da Emergência Adulto. Naquela segunda-feira, seu Walter deu entrada na unidade às 6h — mesmo dia em que o CORREIO foi ao hospital após uma denúncia de superlotação.
Mas ele só foi atendido às 10h. O aposentado foi levado para a sala vermelha, onde ficam os pacientes de maior gravidade. Lá, uma equipe tentou reanimá-lo, mas, segundo foi dito à família, cerca de 10 minutos depois, ele teria falecido após sofrer o segundo AVC. “Eles vieram dar a notícia (da morte), mas a gente já sabia que ele tinha falecido, porque ele não foi atendido a tempo. Aí levaram para o banheiro e quando saíram, a gente entrou e fotografou tudo lá dentro”, afirma Felipe.
Cova rasa
Segundo informações da Superintendência de Telecomunicações das Polícias Civil e Militar, o pedido de remoção do corpo de Walter foi feito às 14h20 da segunda-feira. O corpo foi removido às 17h57 e encaminhado ao Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues (IMLNR).
De acordo com a assessoria do IMLNR, o corpo do aposentado foi liberado, na tarde de quarta-feira, e sepultado no mesmo dia na cova rasa 166 no Cemitério Municipal de Brotas. Mesmo depois de ter sido informada pelo CORREIO sobre a identidade e a causa da morte do paciente, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) disse, por meio da assessoria de comunicação, que não poderia confirmar os dados. Estes somente poderiam ser passados diretamente à família do paciente falecido.
Na reportagem de ontem, o secretário foi questionado sobre o cadáver do banheiro e respondeu que apenas a família poderia informar a causa da morte. Médicos legistas ouvidos pelo CORREIO ressaltam a relevância da informação sobre a causa da morte, uma vez que pode haver risco de contaminação dos pacientes que utilizaram o banheiro.
Sindicância
Diante das condições relatadas pelo filho de Walter, a nova diretoria do HGRS informou que abrirá sindicância para apurar a morte do aposentado. O laudo final sai no prazo em até 40 dias. Sobre o fato de o corpo de Walter ter sido colocado no banheiro, o novo diretor-geral, Antonio Raimundo Pinto de Almeida, que não assumiu oficialmente o cargo, disse que tudo foi uma questão de falta de sinalização do banheiro como área restrita.
“Ali é realmente usado para lavar pacientes em óbito ou até um baleado, por exemplo”, diz Antonio Raimundo que há 60 dias participa de uma força-tarefa que avalia as condições do hospital. Já o Ministério Público Estadual (MP-BA) instaurou dois inquéritos para investigar a situação do corpo deixado no banheiro.
Vamos reorganizar o atendimento (da emergência) para que possamos receber melhor os pacientes
Antonio Raimundo Pinto de Almeida, novo diretor-geral do HGRS
O promotor Luciano Ghignone, do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde (Cesau), disse que ainda não recebeu as informações por parte da Sesab. Ele afirmou que solicitou, via ofício, os dados do paciente durante uma visita ao hospital, na tarde da última terça-feira. Segundo ele, somente com os dados oficiais, ele pode chamar os familiares do paciente para ser ouvidos.
Outro caminho, aponta o promotor, é a própria família procurar o Cesau, no prédio do Ministério Público, em Nazaré, ou pelo telefone (71) 3103-6433. “Com base nas informações que a gente recebe do hospital, ia notificar os parentes. É um encaminhamento previsto. Se for possível antecipar isso, a gente tem todo o interesse em ouvir”, afirma.
Time de craques
Antonio Raimundo Pinto de Almeida, novo diretor-geral, disse que cerca de 20 médicos serão contratados para transformar o quadro de profissionais, especialmente da emergência.
“Vamos trazer os melhores, médicos que passaram pela minha mão na universidade. Conheço a maioria”, disse Antonio Raimundo, que era professor da Ufba. “Nesse time de craques também teremos profissionais do próprio Roberto Santos. Gente qualificada que não era bem utilizada”.
O diretor voltou a afirmar que um dos focos das mudanças é resgatar o perfil de atendimento do Roberto Santos — casos de urgência e alta complexidade. “A emergência está cheia de pacientes crônicos que não deveriam estar ali. Vamos cobrar que outros hospitais da rede atendam esses casos”.
Após denúncia, hospital muda versão para explicar presença de corpo
Na última segunda-feira, o CORREIO recebeu denúncias sobre a superlotação no setor de Emergência do Hospital Geral Roberto santos (HGRS). Além de muitos pacientes estarem nos corredores, boa parte deles estava acomodada em poltronas ou cadeiras plásticas há dias.
Durante visita ao hospital, acompanhantes relataram ter precisado dar banho nos pacientes em um banheiro onde havia um cadáver deitado em uma maca. Num primeiro momento, o hospital afirmou que a situação havia sido pontual e que o corpo colocado lá em um momento em que o necrotério teria ficado cheio.
Na última terça-feira, no entanto, após a publicação da reportagem, a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) mudou a versão e afirmou que o banheiro era usado exatamente para higienização de cadáveres “que estão com resíduos de sangue e outros resíduos, antes de serem levados ao necrotério” e que, infelizmente, “pacientes e acompanhantes tiveram acesso a este banheiro de modo indevido”.
Outros acompanhantes disseram ter visto mais corpos no local que, até a manhã de quarta-feira, não tinha qualquer aviso de acesso restrito.
Correio24