Uma simples viagem de férias com a mãe pela Grécia ficou marcada na vida da britânica Megan Stephens*, 25 anos, como o início de uma longa e dramática história de tráfico sexual. Aos 14 anos, ela foi vendida como escrava e forçada a trabalhar como prostituta por seis anos. O responsável? Um homem por quem havia se apaixonado. Em seu livro de memórias “Bought and Sold” (comprada e vendida), ela dá detalhes do ocorrido e alerta meninas e mulheres sobre um problema que atinge milhões de pessoas no mundo todo.
No início, Jak era atencioso e gentil, apesar da barreira do idioma, que possibilitava a troca de poucas palavras entre eles. Mas, segundo Megan, o caso começou por pura ingenuidade. “Ele me tratou muito bem”, contou. “Acreditei. Eu o amava e ele me amou de volta imediatamente. Jak era realmente encantador.”
Porém, à medida que o tempo passou, o “charme” se transformou em controle. O humor do rapaz mudava sem aviso prévio. Jak começou a falar sobre como sua mãe estava doente por conta de um câncer e da necessidade de mais dinheiro para o tratamento. Ele revelou o desejo de ter filhos com Megan e de ambos viverem em uma bela e grande casa no futuro. Mas para isso teriam que se mudar para Atenas, onde seus primos poderiam oferecer a ela um trabalho em um café. Megan concordou, mesmo que isso significasse deixar a mãe para trás.
Assim que chegou à nova cidade, Megan encontrou-se à mercê de uma rede de cafetões e traficantes. No início, ela não fazia muita ideia do que estava acontecendo. Foi convencida a trabalhar como dançarina fazendo topless em um bar, com a promessa de que aquilo só duraria até que a cirurgia de sua sogra fosse paga. Apesar de odiar aquela situação, ela admite ter se sentido como “uma heroína” que poderia salvar a vida da mãe do namorado.
Duas semanas depois, Jak a levou até uma lanchonete, onde a apresentou a um homem chamado Leon. “Este é seu novo chefe”, disse. Os rapazes conversaram em grego por um tempo e trocaram algumas cédulas de dinheiro. Megan havia sido vendida ao traficante. “Então, você sabe o que está indo fazer, não é? E está feliz com isso?”, questionou Leon. Ela imediatamente olhou para Jak que a confortou: “Eu te amo. Está tudo bem.”
Daí em diante, Megan passou a fazer sexo com estranhos por dinheiro – “atendia até oito clientes por dia”. Ela estava apaixonada por Jak, “faria tudo por ele”. Enquanto isso, ele se dizia arrependido de obrigá-la a se prostituir, mas prometia que não seria por muito tempo. Em breve, eles teriam dinheiro para construir a família que desejavam.
Inesperadamente, o rapaz passou a adotar atitudes violentas. Um dia, durante um jantar, virou uma jarra de água sobre a cabeça de Megan e cuspiu na cara dela. A jovem começou a se sentir doente e descobriu estar grávida de dez semanas. Assim que deu a notícia ao rapaz, ele chutou sua barriga, fazendo com que abortasse aos 14 anos de idade. A violência física seguiu constante. Megan raramente passava um dia sem levar um tapa ou ser arrastada pelos cabelos. E se ela dissesse que iria fugir, ele ameaçava matar sua mãe.
Elek vendeu Megan a outro cafetão, desta vez chamado Cristoph*. E ela continuou trabalhando como prostituta e acompanhante. Em contatos esporádicos que fazia por telefone com a mãe, era obrigada a dizer que estava tudo bem. Mas, na verdade, convivia com violência física diária, além de uma série de doenças sexualmente transmissíveis. Megan contraiu sífilis e salmonela seis vezes, após ter sido forçada a transar sem camisinha para ganhar um dinheiro extra.
A jovem só conseguiu escapar dos traficantes aos 20 anos, após uma tentativa de suicídio. Passou três meses no hospital, onde conseguiu confiar toda sua história aos funcionários. A equipe logo entrou em contato com sua mãe, que já não fazia ideia do paradeiro da filha.
“Os traficantes são muito espertos. Quero que as pessoas entendam que fugir não é tão fácil quanto parece. Eu deveria ter levantado e partido, mas não fiz isso por conta do controle mental que eles exerciam sobre mim. Isso era muito poderoso. Era como se eles tivessem tirado a minha identidade e me transformado em uma espécie de propriedade, um robô que seria controlado”, relata.
Megan confessa ter sido pega pela polícia algumas vezes, mas estava muito assustada para dizer a verdade. “Naquele momento, eu sentia medo de morrer”, revela. De volta ao Reino Unido, passou a lutar diariamente pela sua vida, em meio a quadros de síndrome do pânico e alcoolismo.
“Dentro de mim, ainda me sinto como uma criança de dez anos”, diz ela. “Luto contra o sexo. Não sei o que é ‘fazer amor’. Em alguns relacionamentos que tive depois, precisava estar bêbada para deixá-los me ver nua. Esforçava-me para dizer não ao sexo, porque achava que era só o que os homens queriam. Na verdade, eu odeio sexo. Não dou nenhum valor ao ato. Acho horrível de fazer.”
Hoje, Megan tenta reconstruir sua vida pouco a pouco e tem a ambição de criar uma instituição de apoio a outras vítimas de tráfico sexual. Segundo as Nações Unidas, cerca de 2,4 milhões de pessoas ao redor do mundo são vítimas de tráfico humano. Desse total, 80% se torna escravo sexual. Uma mulher pode ganhar de um traficante entre 500 e 1.000 libras por semana, assim como pode ser forçada a ter sexo com múltiplos parceiros em um único dia.
Depois que voltou ao seu país de origem, Megan confessa ter entrado em contato com o ex-cafetão. “Porque eu realmente me apaixonei por ele. Mas olho para trás e me sinto horrível. Fui treinada para isso.” Agora, grávida do primeiro filho, ela se diz feliz e realizada ao lado de seu parceiro. “É a primeira vez que realmente me entrego a alguém. Tem sido incrível e me ajudado muito. Estar grávida tem sido muito importante. Tem me feito sentir normal e capaz, porque terei uma responsabilidade.”
Mas ainda assim, precisa lidar com vários fantasmas do passado. “Jak tem tentado entrar em contato comigo e com minha família através das redes sociais, procurando descobrir onde estou. Ele ainda me assusta”, conta.
Se Megan culpa alguém pelo que passou? “Não quero dizer: ‘culpo a minha mãe’. Acredito que minha educação poderia ter sido melhor e que eu deveria ter sido mais protegida enquanto criança, mas entendo o motivo de não ter sido”, finaliza.
*Os nomes usados na reportagem são fictícios