Na ‘Visita’ de hoje, Julia conta que, ao deixar de se cobrar e de se cercar numa torre, apareceu alguém em sua vida
Na hora de publicar meu livro de memórias, Solteira no Rio de Janeiro (difícil achar em livrarias, melhor procurar online, se interessar), em 2013, pensei: agora, sim, vou arrumar um namorado!
Como se o livro fosse uma penitência. Havia trabalhado nele seguindo o exemplo de quem sobe a escada da Igreja da Penha de joelhos, no milho. Foram anos. Tal trabalho de corpo, alma e mente, pensei, era o pagamento necessário para que pudesse reatar com a raça humana.
Depois de 25 anos de casada, completara oito anos de solteira. Sim, tive alguns relacionamentos – contados no livro, devidamente disfarçados— mas nada que merecesse esvaziar gavetas no banheiro e cabides no guarda-roupa.
E agora, em 2013, estava resolvida a levar adiante a lição que aprendi, descrita no livro: para preencher o vazio deixado pelo fim do casamento, não se trata de procurar um parceiro.
Tinha que me encontrar, me resgatar, reinventar, fazer a vida. Se cumprisse com isso tudo, a pessoa certa iria aparecer na hora certa.
Só que não.
Havia desistido da internet, onde percebi, irritada, que a maioria não sabe o que quer. Eu sim sabia, acreditei. Um namorado!
Na vida não-virtual, circulei muito, conhecendo pessoas novas e fazendo belas amizades.
Aos poucos, cheguei a uma conclusão, compartilhada por muitas mulheres solteiras de uma certa idade (talvez as de idades incertas, também): não há homens. A demografia desfavorece.
Também, com as novas liberdades, tornou-se aceitável, para o homem, assumir relacionamentos homossexuais, namorar mulheres bem mais jovens ou viver sem compromisso algum. A vida se tornou um enorme aplicativo Tinder (mais sobre isso, daqui a pouco), novas oportunidades surgindo, descartáveis, num baralho infindável.
O tempo passando, comecei a me abrir à possibilidade de que eu teria uma vida plena, porém solitária. A gente não vive tudo o que quer, afinal. Tenho amigas que se frustraram, por exemplo, no sonho de ser mãe. Deus já me abençoara bastante; não era melhor, raciocinava, aceitar a realidade?
Por via das dúvidas, porém, deixei o cabelo crescer. Detestava o viés dos homens por princesas estilo Rapunzel. Ao mesmo tempo, suspeitava que meu cabelo curto fizesse parte de um leque de atributos que me deixavam numa torre, solitária, aguardando um príncipe.
Ah, além de deixar o cabelo crescer, investi na psicanálise. Queria entender melhor a longa solteirice.
A vida desacelerou, então, uma vez por semana, por cinquenta minutos. Toda vez que surgia um homem interessante, parava para conversar com o analista sobre os meus sentimentos e reflexões. Ele me perguntava sobre os relacionamentos do passado. Aos poucos, fomos reavaliando experiências e suposições.
Temia que estivesse velha demais, encalhada, refém de hábitos. Acima do peso. Inteligente demais, burra demais. Gringa. Chata. Antipática. Descobri que, apesar de me considerar uma pessoa otimista, esperava o pior do outro: desatenção, decepção, abandono. Fazia de tudo para evitar aquilo que considerava inevitável. Ser solteira, em vez de ser um problema, era uma solução.
Poderia ser diferente, dizia o analista. Levanta os olhos. Olhe para si. Você, em vez de espreitar o céu, está com o olhar fixo no chão. Cega para quem pudesse ser um par perfeito. Bem, lembre que ninguém é perfeito, nem você mesma.
Depois de um desastre no site ParPerfeito, aliás, anos atrás, jurei nunca mais conhecer homens pela internet. Mas agora havia o Tinder…
“Mãe, isso é coisa para uma noite só!”, advertiu meu filho quando pedi a ajuda dele para fazer o download.
Aplicativo instalado, o Tinder espelhava a demografia do mundo real: poucos homens na faixa etária em questão.
Minha mãe, quando um garoto que não me interessava me chamava para sair, alertava sempre pelo fator surpresa: “Talvez ele tenha um primo!” dizia, empurrando-me até a porta de casa.
Estava certa ela. O primeiro encontro Tinder terminou, não com um beijo ou um convite para um segundo encontro, mas com um tornozelo quebrado — dele, no chão de um shopping.
Foi uma decepção (e, para o coitado, motivo de vergonha), mas deu uma boa história: no dia a dia, sempre que surgia o tema de namoro (e surge muito, né?), eu descrevia a queda cinematográfica de meu primeiro encontro Tinder. Fator surpresa, o efeito secundário era de alardear a minha disponibilidade. Algo que, talvez, nem todos percebessem.
Foi uma maneira de compartilhar, solidária, a dificuldade que, no fim, todo mundo tem em algum momento da vida, de encontrar um parceiro. O Tinder não me entregou um namorado, mas abriu a porta a um caminho para me reatar, novamente, com a raça humana.
A decisão mais importante, porém, foi de deixar o cabelo crescer…
Há homens, sim. Eu que não os enxergava. Estava cega – por achar que não merecesse quem fosse me amar de verdade. A questão, mesmo depois de passar oito anos refletindo nos relacionamentos, era, acima de tudo, desfazer as minhas próprias barreiras. Derrubar a torre de Rapunzel que eu mesma construíra.
E não é que um cara maravilhoso apareceu? Que não me acha velha, nem gorda nem burra nem inteligente além da conta? Ele não precisou de escada.
Nenhum relacionamento conta com um futuro seguro. Posso apenas amar, apostar e aprofundar – e esperar que o leitor tenha tido tanto prazer quanto eu, hoje, no blog da Ruth, de deixar de falar de economia, política, justiça ou mudanças climáticas.
Por Julia Michaels